No âmbito da Estratégia Nacional de Gestão de Água – “Água que Une” –, apresentada pelo Governo, no passado dia 9 de março, a Associação Sistema Terrestre Sustentável (ZERO) alertou para a necessidade de “conhecer em detalhe os fundamentos desta estratégia”, tendo defendido também que “um tema de tão elevada importância exige um processo de consulta pública alargado”.
Segundo a Associação, existem várias prioridades no plano, com destaque para o aumento da eficiência hídrica e promoção do uso racional da água, a redução das perdas de água nos sistemas de abastecimento público, agrícola, turística, industrial, ou a promoção da utilização de água residual tratada, “que são de louvar”.
No entanto, a Zero refere que a estratégia apresentada confirma “uma duvidosa aposta no forte aumento da oferta de água” para responder àquelas que têm sido as exigências do setor agrícola, “favorecendo a expansão de um modelo intensivo e altamente consumidor de recursos hídricos”.
“Este caminho ignora os desafios climáticos futuros e tem implicações ambientais, económicas e sociais graves, especialmente porque não assegura um equilíbrio adequado entre a resposta que é dada às necessidades agrícolas e a resposta a vertentes fundamentais como a eficiência hídrica e a necessidade de preservação dos ecossistemas”, lê-se no comunicado de imprensa enviado às redações.
Investimento “exige uma definição clara de prioridades e uma calendarização detalhada”
Na ótica da Associação, a implementação desta estratégia implica “um investimento extremamente avultado” (5 mil milhões de euros), “um montante que requer uma calendarização detalhada dos investimentos previstos, em particular daqueles que são considerados prioritários, bem como a identificação clara das respetivas fontes de financiamento”.
Além disso, defende também que “um elemento fundamental” a clarificar é a correção do valor da taxa de recursos hídricos pela agricultura, atualmente extremamente diminuto e inferior a 10% do total da receita, quando o uso corresponde a 70%.
“Sem um plano de ação bem definido, existe o risco de canalizar recursos públicos para infraestruturas de utilidade duvidosa ou que, a longo prazo, não consigam responder eficazmente aos desafios colocados por situações de seca e de escassez hídrica. A estratégia deve garantir que os investimentos são direcionados para soluções sustentáveis e adaptadas às realidades climáticas do país”, avança a Associação Sistema Terrestre Sustentável.
Novas barragens
A Zero indica ainda que a estratégia do Governo assume que haverá disponibilidade de água suficiente para encher novas barragens e abastecer as áreas de regadio associadas. No entanto, “as previsões climáticas indicam uma redução progressiva da disponibilidade hídrica em várias bacias hidrográficas do país, o que poderá tornar insustentável a captação de água, especialmente em períodos de seca prolongada”.
Além disso, frisa também que o impacte ambiental destas infraestruturas “é enorme e esse é um fator fundamental de decisão”.
A Associação dá como exemplo, a construção da barragem de Alportel, uma das infraestruturas previstas, que pode não conseguir garantir os volumes de água esperados numa região onde os níveis de precipitação não têm permitido recuperar os baixos níveis de armazenamento nas barragens já existentes. “O risco de um investimento elevado resultar numa estrutura subaproveitada ou ineficaz não pode ser ignorado”, sublinha a Zero.
Modelo agrícola intensivo
A Zero também defende que a estratégia “irá perpetuar as atuais políticas agrícolas, que favorecem o desenvolvimento de um modelo agrícola baseado em culturas permanentes, para exportação, de elevado consumo hídrico, negligenciando a necessidade de produção de bens alimentares fundamentais para a soberania alimentar do país”.
É neste sentido que a Associação apela ao Governo para que, após a consulta pública, seja feita “uma reavaliação” do plano apresentado, de forma a garantir que “a gestão da água seja feita de forma responsável, equilibrada e com foco na sustentabilidade a longo prazo, protegendo os recursos hídricos e assegurando um futuro mais resiliente para a agricultura”.
O artigo foi publicado originalmente em Vida Rural.