João Paulo Martins revela semanalmente os grandes segredos do mundo dos vinhos
Um dos vinhos que sugiro hoje, um belíssimo tinto da região espanhola de Toro, levanta algumas questões curiosas que merecem conversa. O perfil do vinho — denso, cheio, volumoso, escuro, alcoólico e com muita madeira — é um bom exemplar daquilo que em tempos se chamou o “estilo Parker”, sabendo-se que ao crítico americano Robert Parker (agora retirado) se associavam tintos com este calibre porque, dizia-se, era como Parker gostava. Não era totalmente verdade, mas o que aconteceu foi que algumas regiões vinícolas que ele privilegiava em termos de prova — Bordéus e Côtes-du-Rhône, mas também Califórnia — começaram nos anos 80 a modificar o seu estilo tradicional na esperança que uma nota milagrosa (talvez um 99 ou, quem sabe, um 100), pudesse trazer fama, glória e muito vinho vendido a bom preço.
Para se “parkerizar” um tinto era preciso deixar mais tempo as uvas tintas na vinha para ganharem mais açúcar e ficarem com taninos mais macios; isso ia implicar vinhos mais alcoólicos, mais fáceis de beber em novos e que, de seguida, eram passados em madeira nova, ganhando um forte carácter boisé. Tínhamos então um “caldo” onde se juntava muita madeira, muito álcool, muita cor, muita extração e, também, muito cansaço de prova; ao segundo copo os vinhos já enjoavam. Andámos nisto mais de 20 anos e por muito que alguns críticos ingleses, desde sempre amantes dos vinhos de Bordéus de perfil clássico, criticassem o guru americano, a verdade é que os produtores bordaleses perceberam que aquela era a moda que os levaria ao sucesso. E levou mesmo, com os preços a atingirem níveis nunca vistos. […]