Todo o país teve este ano vindimas antecipadas. Dez dias mais cedo, na média das 14 regiões vitivinícolas portuguesas. Em nove regiões, campanha arrancou em Agosto. Quatro já cortavam cachos em Julho.
“Os vinhos Golpe têm dez anos e esta é das vindimas mais precoces desde que começámos o projecto, só comparável com 2017. Já tivemos vindimas um pouco mais tardias, como 2018, em que acabamos no final de Setembro. Mas eu lembro-me das vindimas há 20 anos aqui e nunca se começava os brancos antes de 10 de Setembro e isso já era excepcionalmente cedo. A diferença é abismal.” Vasco Martins e o irmão, Rui Martins, arrancaram as vindimas na Mêda, Douro Superior, em Agosto (dia 16). E, como eles, a grande maioria dos produtores de vinho em Portugal.
Todo o país está agora a vindimar e há regiões que estão prestes a terminar a campanha, este ano antecipada, em média, dez dias. Nove (em 14) regiões vitivinícolas portuguesas arrancaram as vindimas no mês passado, algumas bem no início de Agosto. E quatro vindimaram já em Julho, no início do Verão, o que há uns anos seria impensável: Tejo, Alentejo, Algarve e Madeira – na região insular, cortaram-se uvas no Porto Santo a 31 de Julho mas o pico só aconteceria em meados de Agosto.
Apenas o Dão reporta o início de vindima em Setembro, e nos primeiros dias do mês. Sim, o Dão sempre foi mais tardio, mas costumava arrancar vindimas só em Outubro.
Apesar da precocidade, o país espera um aumento generalizado de produção e colheitas de qualidade, como noticiou o PÚBLICO em Julho. E o clima pode ter-lhes trocado as voltas e criado dificuldades logísticas (por exemplo, no recrutamento de mão-de-obra no pico do Verão), mas os produtores não estão preocupados com o ano de 2023. Em todas as regiões se esperam muito bons vinhos, dos “vinhões” de guarda que já se adivinham no Alentejo à qualidade excepcional no Douro.
As uvas ficaram maduras mais cedo porque a videira também “acordou” mais cedo, o que se explica com um Inverno ameno e com chuva, que deixou no solo um precioso mealheiro de água, e uma Primavera com calor. Depois do abrolhamento, a cultura desenvolveu-se depois de forma normal, sem interrupções, como as que fizeram a videira parar a sua actividade em 2022. Escaldões (Dão) e outros fenómenos extremos, como a queda de granizo no último fim-de-semana (em Valpaços, Trás-os-Montes, e em alguns viticultores da Vidigueira, no Alentejo), fizeram estragos muito localizados.
“A Mêda é de livro”
Voltando à Mêda, esse terroir “literalmente de transição”, como começou por nos explicar Rui Martins, é uma aposta “de livro” no actual contexto de crise climática, sublinhou ao PÚBLICO o irmão Vasco, à porta da adega, a 31 de Agosto, quando já a vindima já ia nos tintos.
No exterior do antigo armazém agrícola na freguesia da Mêda, Outeiro de Gatos e Fontelonga (metade é Douro, metade é Beira Interior), construído em 1930 pelo bisavô de ambos, e o “fundador moral” do actual projecto Família Carvalho Martins (vinhos Golpe e Pacto), caixas de Tinta Roriz esperavam para entrar no lote a vinificar no dia seguinte. A 735 metros de altitude, as noites ali são frescas. Mesmo em Agosto, os termómetros chegam a marcar 10 graus, pelo que aquelas uvas de manhã estariam em excelentes condições para entrar num lote marcado pela frescura das Beiras, a concentração do Douro e a elegância do Dão – que já ali andou; “nos anos 1970, a Mêda era Beira interior, Douro e Dão”, diz-nos Rui.
No primeiro de Setembro, rumámos com os […]