Sendo Portugal referenciado como um dos países da Europa onde se comercializam maiores quantidades de pesticidas e verificando-se um aumento da procura pelos consumidores por produtos biológicos, existindo em vários países uma promoção do modo de produção biológico (BIO), urge a necessidade de reforçar a aplicação de medidas alternativas ou complementares à utilização de produtos fitofarmacêuticos contra as principais doenças da videira, nomeadamente contra o míldio e o oídio.
O interesse na utilização de variedades de videira resistentes às doenças tem aumentado de forma notável a nível Europeu, por motivos diversos, mas, mais recentemente, porque a sua utilização poderá permitir uma redução apreciável do uso de fungicidas, contribuindo para assegurar metas de redução já estabelecidas por alguns países europeus nos respetivos planos de ação nacional, em linha com a Diretiva nº 2009/128/CE, que estabelece um quadro de ação a nível comunitário para uma utilização sustentável dos pesticidas. Portugal terá de acompanhar esta tendência, ao mesmo tempo que terá de promover soluções alternativas ao uso de pesticidas, de forma a garantir a sustentabilidade da produção agrícola. Dentre essas soluções alternativas, a utilização de variedades resistentes às doenças poderá constituir, sem dúvida, uma das vias para alcançar tal objetivo.
Neste sentido, equipas de investigação portuguesas do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) e do Instituto Superior de Agronomia (ISA), a par da ADVID, de Empresas Vitivinícolas e de outros profissionais do sector, integram o VINOVERT, um projeto europeu inovador e estruturante para a fileira do vinho e da vinha da região do sudoeste europeu, que pretende assegurar a competitividade das empresas no longo prazo. Para tal, impõe-se conhecer e compreender antecipadamente a nova procura de vinhos considerados mais respeitadores do ambiente e da saúde humana, contribuindo para a elaboração de soluções que comprovem eficácia e capacidade real de implementação no plano social e organizacional.
As variedades resistentes são variedades obtidas por cruzamento de espécies do género Vitis, de origem americana (V. riparia, V. rupestris, V. aestivalis, V. cinerea, Muscadinia rotundifólia, …) ou asiática (V. amurensis, V. coignetiae, …), detentoras de resistência natural ao míldio e oídio, mas com características enológicas indesejáveis, com variedades de Vitis vinifera suscetíveis a estas doenças, mas com elevada qualidade enológica. As novas variedades resistentes não são “organismos geneticamente modificados” (OGM), pois resultam de cruzamentos selecionados entre variedades naturais existentes, por via sexual.

Sintomas de míldio das variedades em avaliação: A-variedade resistente; B – variedade sensível.
Em Portugal, para outras culturas, a aceitação e o uso generalizado de variedades resistentes, obtidas por via do melhoramento sexuado, nunca foram questionados, mas para o caso da videira a sua utilização pode originar controvérsia, sobretudo por poder contribuir para uma perda da diversidade da videira, um património em que Portugal é um dos países mais ricos, se não o mais rico. No entanto, considera-se que Portugal não deve divergir das tendências Europeias, ainda assim com precaução e provavelmente com enquadramento legislativo próprio que salvaguarde o equilíbrio entre variedades antigas nacionais e variedades resistentes estrangeiras.

Sintomas de míldio nas folhas das variedades em avaliação: A- variedade resistente; B- variedade sensível.
A obtenção de variedades resistentes é demorada e cara e exige investimento contínuo em conhecimento e em pessoas, condições difíceis de alcançar num futuro próximo, em Portugal. Ainda assim, esta preocupação iniciou-se na década de 40 do século XX com os trabalhos de Miguel Pereira Coutinho, professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA), Lisboa. Através de cruzamentos sexuados tidos como de V. vinifera X V. vinifera obteve descendências com resistência ao míldio da videira, Plasmopara viticola. Destas, as mais promissoras terão sido a C. 19 e a C. 27. Estas variedades foram posteriormente estudadas no ISA, por Antero Martins, tendo-se revelado igualmente resistentes ao oídio.

Sintomas de míldio no cacho / inflorescência das variedades em avaliação: A-variedade resistente; B-variedade sensível.
Mais tarde, foram desenvolvidos trabalhos de iniciativa privada (PLANSEL), baseados na importação de materiais vegetativos provenientes de cruzamentos interespecíficos realizados na Universidade de Geisenheim e no seu estudo, no que respeita à estabilidade, homogeneidade, qualidade enológica e resistência ao míldio e ao oídio. Posteriormente, em colaboração com a Universidade de Évora, aquela empresa selecionou uma nova geração de genótipos, provenientes de cruzamentos realizados entre as variedades resistentes Defensor e Regent, selecionadas na primeira fase dos seus trabalhos, e as variedades portuguesas Antão Vaz e Touriga Nacional (Jorge Böhm, comunicação pessoal).
Atualmente, em Portugal, estão em estudo duas das variedades mencionadas, consideradas resistentes ao míldio e ao oídio, com o objetivo de serem inscritas no Catálogo Nacional de Variedades, a saber: Defensor B e C. 19 T.
A Defensor B é uma variedade branca, adquirida pela PLANSEL em 1984, em Geisenheim, resultante do cruzamento de Chancellor T (Seibel 7053) X Riesling B. Por sua vez, a variedade C. 19 T é uma variedade tinta, obtida no Instituto Superior de Agronomia por Pereira Coutinho e resultante do cruzamento (Jaen T X Azal Branco B) X Jaen T.
No que diz respeito à cultura de variedades resistentes em Portugal, a legislação Portuguesa não impede a inscrição/autorização destas variedades, obrigando a uma série de estudos e pareceres previstos em diplomas que aprovam os seguintes procedimentos:
– inscrição de novas variedades no Catálogo Nacional de Variedades de Espécies Agrícolas e de Espécies Hortícolas (CNV), de acordo com regulamentação produzida pela Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV);
– inclusão na lista de variedades aptas à produção de vinho, cuja regulamentação é da responsabilidade do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV).
Em Portugal, estão em curso várias linhas de investigação, com o objetivo de identificar e/ou obter variedades tolerantes/resistentes às principais doenças criptogâmicas da videira. Relativamente à identificação de marcadores (moleculares e metabólicos) de resistência da videira ao míldio, salientam-se os estudos conduzidos nos últimos anos no BioISI, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Andreia Figueiredo, comunicação pessoal). Por sua vez, no INIAV, os ensaios em curso têm por objetivos: i) identificar variedades de videira e plantas silvestres mais tolerantes ao míldio e ao oídio; ii) estudar mecanismos de resistência ou suscetibilidade associados à interação hospedeiro-patogénio; iii) identificar/selecionar progenitores para realização de cruzamentos controlados e obtenção de variedades tolerantes; e iv) validar no germoplasma português, marcadores moleculares do tipo microssatélites (SSR) associados às características do fenótipo suscetível e/ou tolerante naquelas doenças.
O projeto VINOVERT, com o objetivo de garantir a longo prazo a competitividade das empresas, antecipando as exigências ambientais e sanitárias dos mercados e dos circuitos de comercialização (https://www.vinovert.eu/pt/), está a ter a grande virtude de trazer ao debate público o tema das variedades de videira resistentes às doenças.
Um artigo de:
José Eiras Dias[1], João Brazão1, Jorge Cunha1, Cristina Carlos[2], Helena Oliveira[3]
[1] Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P.. Pólo de Dois Portos. Quinta da Almoinha, 2565-191 Dois Portos
[2] Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense. Parque de Ciência e Tecnologia de Vila Real – Régia Douro Park, 5000-033 Vila Real
[3] LEAF, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa
[1] Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P.. Pólo de Dois Portos. Quinta da Almoinha, 2565-191 Dois Portos
[1] Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense. Parque de Ciência e Tecnologia de Vila Real – Régia Douro Park, 5000-033 Vila Real
[1] LEAF, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa
Publicado na Voz do Campo n.º 223 (fevereiro 2019)