A Sidra é uma bebida com séculos de presença na ilha da Madeira. Vários registos históricos referem que esta, então denominada por “vinho de peros”, já fazia parte dos mantimentos que, nos finais do século XV e inícios do século XVI, os navegadores portugueses, no trânsito da sua saga marítima, vinham buscar à ilha da Madeira.
Até há não muitos anos, a produção, realizada artesanalmente pelos agricultores, e o consumo de Sidra manteve-se circunscrita às localidades das zonas mais propícias ao desenvolvimento de pomares de pereiros/macieiras, designadamente das freguesias de Santo António da Serra e Machico (concelho de Machico), da Camacha e de Santo António da Serra – Santa Cruz (concelho de Santa Cruz), de São Roque do Faial (concelho de Santana), do Jardim da Serra (concelho de Câmara de Lobos) e dos Prazeres e da Ponta do Pargo (concelho da Calheta).
Aos poucos, principalmente através da realização de eventos promocionais quer da bebida quer dos frutos que lhe estão na origem, como a “Festa da Sidra” (Santo António da Serra – Santa Cruz), a “Rota da Sidra” (São Roque do Faial), “Semana da Sidra da Madeira” (Prazeres), a “Festa do Pêro” (Ponta do Pargo), a “Festa da Maçã” (Camacha) e este ano, pela primeira vez, a Festa da Sidra | Cider Fest (Funchal), a Sidra foi progressivamente adquirindo maior visibilidade e cativando cada vez mais novos consumidores.
Também devido a um notável trabalho do Padre Rui Sousa na liderança do projeto Quinta Pedagógica dos Prazeres, a Sidra foi alcançando patamares crescentes de qualidade e de notoriedade, como o comprova os muitos prémios obtidos em concursos nacionais e internacionais da especialidade, e despoletando um renovado interesse nesta produção.
Organizado o setor com a criação, em 2016, da Associação de Produtores de Sidra da Região Autónoma da Madeira (ASPRAM), esta iniciou os procedimentos para uma efetiva afirmação das especificidades da Sidra produzida na Madeira ao abrigo dos sistemas de qualidade da União Europeia. Assim, em 14 de outubro de 2020, foi submetido aos competentes serviços da Comissão Europeia o pedido de registo da denominação “Sidra da Madeira” como Indicação Geográfica Protegida (IGP), denominação essa entretanto já concedida.
Neste processo de qualificação, também desde outubro de 2020, a “Sidra da Madeira” passou a poder utilizar a menção Indicação Geográfica (IG), correspondente à proteção jurídica a nível nacional.
Paralelamente, o Governo Regional procedeu à regulamentação do setor da Sidra, de molde a poder dispor de outra ambição comercial, de fatores adicionais de valorização, e de capacidade competitiva para concorrer, com transparência, lealdade e segurança, com as sidras nacionais e internacionais, principalmente as reconstituídas, como ainda sustentar a produção regional de maçãs e peros, sobretudo de variedades endógenas, a sua matéria-prima primordial (Decreto Legislativo Regional n.º 7/2020/M, de 3 de julho).
O Governo Regional decidiu igualmente promover a construção e equipamento de uma rede de sidrarias para uso comunitário dos produtores, proporcionando-lhes condições e tecnologias adequadas à obtenção de bebidas que, para além de satisfazer as disposições normativas e as exigências de higiene e segurança alimentar que lhes são aplicáveis, possam apresentar uma qualidade superior e as características próprias de especificidade e genuinidade e/ou de inovação que permitam a sua diferenciação e valorização nos mercados.
Atualmente, a produção de Sidra da Madeira assenta em três sidrarias, uma pública, a Sidraria de Santo António da Serra – Machico, que entrou em operação em janeiro de 2020, e duas privadas, uma na freguesia dos Prazeres, Calheta e outra na freguesia da Camacha, Santa Cruz.
A produção de Sidra da Madeira tem por manancial um vasto conjunto de variedades de pereiros/macieiras disseminadas ao longo dos séculos, que os agricultores foram selecionando pelas suas qualidades e melhor adaptação às condições edafoclimáticas dos diferentes locais, as quais lhes determinam distintas características de cor, aroma e uma acidez mais ou menos assinalável.
Entre as variedades mais identitárias e presentes na Sidra da Madeira estão: os peros Domingos, Calhau, da Ponta do Pargo, Amargo, Bico-de-melro, Branco, Focinho de Rato, Vime, de Ouro, Pevide Riscado, Rajado Rijo, Boal e da Festa, e as maçãs Barral, Cara-de-dama, da Camacha, Baionesa, Espelho e Parda.
Consoante as combinações das variedades de peros/maçãs que lhe dão origem, a Sidra da Madeira pode apresentar uma coloração que vai do citrino brilhante ao amarelo palha, com nuances alaranjadas. Com um aroma genuíno e fresco, revela um caráter frutado de média a forte intensidade, com notas evidentes a maçã verde, a maçã madura, a marmelo e/ou a citrinos, formando um conjunto equilibrado e agradável.
A Sidra da Madeira é, normalmente, tranquila, pouco doce e leve no corpo e evolui demonstrando harmonia entre a acidez e o amargor, terminando seca e distinguindo-se pela forte presença da maçã no aroma e no sabor e pela frescura conferida pela sua singular acidez.
Artigo publicado originalmente em DICAs.