O que há de novo neste cenário?
As previsões para as alterações climáticas para as regiões do território nacional onde a oliveira tem expressão económica traçam um cenário de aumento de temperatura, com vagas de calor mais frequentes, e menor precipitação, em particular no período estival, com riscos de secas mais prolongadas.
O que há de novo, então, neste cenário? Significa que o pior do clima mediterrânico, isto é, o que mais restringe atualmente a produtividade primária se está a agravar.
Efeitos diretos das alterações climáticas na produtividade
A produtividade primária é função direta da radiação solar intercetada (fração fotossinteticamente ativa) por um coberto vegetal, desde que não haja restrição de outros fatores de crescimento como água e nutrientes. Uma árvore sujeita a um clima mediterrânico, em sequeiro, tem a produtividade primária restringida sobretudo pelas baixas temperaturas de inverno e pela falta de humidade no solo no verão (Figura 1). Se estiver conduzida em regadio, a produtividade aumenta pois o processo fotossintético continua durante o verão. No plano teórico, o potencial produtivo de uma árvore é proporcional à extensão do período em que se encontra fotossinteticamente ativa. Por essa razão, a produtividade em regadio é maior que em sequeiro. Em sequeiro, e admitindo que o período estival se vai tornar mais quente e seco, é expectável que o potencial ecológico se reduza por alargamento do período estival.

Efeitos colaterais das alterações climáticas nos agrossistemas
A diminuição da precipitação reduz também a produtividade primária da vegetação herbácea ou do coberto vegetal de um pomar. O aumento de temperatura, por seu lado, acelera a mineralização do substrato orgânico do solo pelo estímulo na atividade biológica. Quanto mais quente e seco for um local, menor tende a ser o teor de matéria orgânica dos solos. Assim, as alterações climáticas previstas para a região mediterrânica irão contribuir para a redução da matéria orgânica no solo.
As alterações climáticas agravam o risco de erosão do solo.
Solos com menor cobertura vegetal (menor produtividade primária) e menor teor de matéria orgânica (mais intensa mineralização) são mais suscetíveis à erosão. Por outro lado, a precipitação estival tende a ocorrer em eventos de maior intensidade, frequentemente associada a trovoadas, apresentando maior erosividade.
Gestão do solo como forma de mitigação das alterações climáticas
A introdução de regadio é vista como a grande medida de mitigação das alterações climáticas na agricultura mediterrânica. Contudo, em Portugal dominam os pomares de sequeiro, e a perspetiva de que as áreas regadas aumentem de forma significativa nos próximos anos não é realista. Em diversas freguesias do interior norte do país, o azeite proveniente do olival de sequeiro é a única fonte de receita relevante proveniente da agricultura. A falência do olival de sequeiro representa o colapso das economias locais.
Assim, focados no sequeiro, as principais medidas de mitigação das alterações climáticas são aquelas que permitam maximizar a eficiência de uso da água das chuvas. Deverão ser implementadas medidas que promovam a infiltração da água e que favoreçam o seu armazenamento no solo. Por outro lado, a perda de água por evaporação deve ser minimizada, bem como a transpiração de água pela vegetação herbácea que reveste o solo no período estival. Devem ser criadas condições para que a água que esteja disponível no solo seja utilizada pelas árvores.

Formas de gestão do solo e relação com a economia da água
A mobilização do solo é o processo ancestral de gestão da vegetação herbácea em pomares, continuando ainda hoje a ser o método dominante em olival tradicional de sequeiro. A facilidade da operação e o facto de poder ser efetuada sem necessidade de apoio técnico são, provavelmente, as principais razões para a maioria dos produtores insistirem neste método de gestão do solo. Por outro lado, o método “funciona”, isto é, assegura alguma produtividade.
São efetuadas várias passagens ao ano (sobretudo escarificador, por vezes equipado com aivequilhos), pelo que a vegetação herbácea é eficazmente destruída. O principal inconveniente do método, numa perspetiva de curto prazo, é o dano no sistema radicular. As árvores têm de despender grande parte dos seus produtos da fotossíntese para repor o sistema radicular destruído em vez de os canalizarem para a produção de azeitona.
A longo prazo as mobilizações poem em causa a sustentabilidade do sistema de produção ao exporem o solo ao processo erosivo (Figura 2). A falta de cobertura vegetal facilita o destacamento de partículas pela ação mecânica das gotas de chuva, e favorece o escoamento superficial, por falta de uma barreira física ao movimento das águas. Por outro lado, as mobilizações aceleram a degradação da matéria orgânica, pela destruição física dos agregados (complexos argilo-húmicos) e maior exposição do substrato orgânico à ação dos microrganismos, mas também pelo maior arejamento do solo, que favorece a atividade microbiológica. Acresce que do aquecimento global se espera, como já se referiu, maior erosividade da precipitação e solos tendencialmente mais pobres em matéria orgânica. Neste contexto, as mobilizações parecem ser um método cada vez mais desadequado para gerir o solo dos olivais de sequeiro, e uma séria ameaça à sustentabilidade.
A utilização de herbicidas é também uma forma comum de gestão da vegetação em olival, seja como método único ou integrado com outros métodos de gestão (herbicida na linha e vegetação gerida com corte na entrelinha é o método de gestão do solo mais utilizado em regadio). Apresenta uma primeira vantagem de curto prazo pelo facto de não destruir o sistema radicular.
Contudo, ao contrário da mobilização, o uso de herbicidas de forma correta e responsável exige conhecimento técnico. O uso de herbicidas residuais (herbicidas que se aplicam em solo nu e impedem a germinação das infestantes) apresenta vários dos problemas de sustentabilidade das mobilizações. Ao não permitirmos desenvolver vegetação herbácea (aplicam-se normalmente no outono), não permitem a entrada de substrato orgânico no solo. Por outro lado, o solo descoberto fica vulnerável à erosão hídrica. O uso de herbicidas pós-emergência (herbicidas que se usam para destruir vegetação em crescimento) pode apresentar maior sustentabilidade, uma vez que se aplicam na primavera.
Desta forma, o solo fica protegido da erosão por vegetação viva no inverno e por restos de vegetação morta no verão. O desenvolvimento de vegetação de inverno e a ausência de mobilização melhoram os teores de matéria orgânica do solo em comparação com os métodos anteriores. As questões sensíveis do uso de herbicidas em pós-emergência são o momento da aplicação e a escolha do herbicida comercial a utilizar. Aplicações mais precoces reduzem o contributo da vegetação para a matéria orgânica no solo e para a redução da erosão. Aplicações tardias permitem elevada competição da vegetação herbácea com a árvore pela água e tendem a reduzir a produtividade. A escolha do herbicida está relacionado com a eficácia a curto prazo e com o risco de surgirem fenómenos de resistência, que obrigam a que se usem herbicidas com moléculas mais caras ou misturas de substâncias ativas mais complexas e também mais caras. Uma solução que hoje funciona é pouco provável que continue a dar bons resultados nos anos seguintes, sendo o uso adequado de herbicidas bastante exigente em termos técnicos.

O uso de cobertos vegetais naturais geridos com corte é uma aproximação possível ao problema. Otimiza diversos aspetos, uma vez que reduz praticamente a erosão e melhora o teor de matéria orgânica e a atividade biológica do solo. O uso de cobertos naturais é comum em regadio. Contudo, a gestão da vegetação natural com corte em sequeiro comporta riscos. A vegetação natural quando gerida com corte tende a ser dominada por espécies perenes, melhor adaptadas a este método de gestão que as espécies anuais que dependem da produção de semente. As espécies perenes tendem a ser muito competitivas pelos recursos incluindo a água. A menos que se mantenha a vegetação fortemente controlada na primavera, através de cortes sucessivos, o que também tem custos, a produtividade das árvores pode ser fortemente reduzida, o que é também uma ameaça à sustentabilidade (Figura 3).
Cobertos vegetais semeados podem ser geridos em alternativa à vegetação natural. Quando se usam cobertos semeados alimenta-se a ilusão de que eles possam aportar benefícios relativamente à vegetação natural uma vez que a sua instalação tem custos suplementares. As vantagens mais evidentes advêm do uso de leguminosas pratenses, pela sua capacidade de se desenvolverem em solos pobres e poderem incorporar azoto no solo que obtêm a partir da atmosfera. Os cobertos vegetais semeados, tal como os cobertos naturais, protegem o solo e incorporam matéria orgânica, mas podem também ser muito competitivos. Na região mediterrânica, os cobertos semeados são compostos por espécies anuais de ressementeira natural (isto é, reproduzem-se exclusivamente por sementes) o que obriga a que vegetação se desenvolva até ao fim do ciclo biológico para permitir a formação da semente.
Esta exuberância de vegetação na primavera compete pela água. Este tipo de vegetação, sendo comum em regadio, pode ser problemático em sequeiro. Contudo, algumas cultivares de trevo-subterrâneo apresentam ciclo particularmente curto, com sementes maduras muito cedo na primavera, e reduzida expansão vegetativa. Estas plantas apresentam as vantagens de proteção e enriquecimento do solo referidas para a outra vegetação, sendo bastante menos competitivas (Figura 4). Há já evidência experimental em Portugal de que podem ser uma boa solução para os pomares de sequeiro.

Assim, a gestão do solo em pomares de sequeiro em contexto de alterações climáticas deve permitir o desenvolvimento de vegetação herbácea no inverno (com incremento do teor de matéria orgânica e redução do risco de erosão) e limitar a expansão da vegetação a partir do início da primavera, para controlar a competição pela água.
Duas formas de intervenção cumprem satisfatoriamente aqueles objetivos: gestão do solo com leguminosas anuais de ciclo muito curto; e uso de herbicidas pós-emergência aplicados no início da primavera. A primeira, por inúmeras razões, constitui um desafio mais estimulante.
Agradecimento: Novas práticas em olivais de sequeiro: estratégias de mitigação e adaptação às alterações climáticas (Grupos Operacionais, parceria nº 343, PDR2020-101-032115)
M. Ângelo Rodrigues, Soraia Raimundo, Margarida Arrobas
Centro de Investigação de Montanha (CIMO)
Instituto Politécnico de Bragança
- Artigo completo publicado na edição impressa: março / 2019.