A semana que hoje termina fica marcada pela queda do Governo francês, o que a par da situação que se vive na Alemanha, em termos económicos e sociais, configura uma evidente fragilidade no eixo franco-alemão a que não estávamos habituados. Talvez por isso, ou por causa disso, a Presidente da Comissão Europeia viajou para o Uruguai, em mais uma tentativa de fechar o acordo com o Mercosul, claramente apoiado pela Alemanha (também por Espanha, Portugal, entre outros, e pela Comissão Europeia), rejeitado fortemente pela França e pela generalidade dos agricultores europeus, sobretudo os mais diretamente ligados à atividade pecuária. Os argumentos são sobejamente conhecidos: o bloco sul-americano não aplica as regras europeias, designadamente em matéria de ambiente, bem-estar animal, segurança alimentar (food safety) e na dimensão social, que representa um pilar importante da sustentabilidade. A agricultura não pode ser utilizada como moeda de troca.
Uma nota relevante para o agroalimentar foi a reunião do Conselho de Presidentes da FIPA que reuniu com o Ministro da Economia. O governante manifestou vontade em dialogar com o Setor, cumplicidade para com o Plano Estratégico da FIPA, construir uma agenda comum, existe muito trabalho a fazer na promoção das exportações e de apoio à indústria alimentar, a tão desejada reindustrialização, conhece a situação da SILOPOR e reconhece a sua importância estratégica, mas não podemos deixar de focar alguns aspetos negativos: a indisponibilidade do Ministro em reverter os valores de contrapartida na gestão dos resíduos (em alguns casos superiores à redução prevista para o IRC) e também do Valorfito, no caso da indústria que a IACA representa (quem vai pagar a fatura, o consumidor?), bem como o nosso lamento – manifestado na reunião – relativamente à redução do IVA nos petfood (de 23% para 13%), rejeitado pelo Governo na proposta de Orçamento de Estado 2025, quando o ano passado foi o PSD, então na oposição, o primeiro subscritor dessa mesma proposta. A (in)coerência ou falta dela! De resto foi o Orçamento possível, com a falta de ambição que se conhece, um pouco à imagem do alinhamento político da Assembleia da República. Aprovado o Orçamento, esperamos agora uma nova fase, com as necessárias reformas, porque as expectativas continuam elevadas.
Outra nota com impacto na indústria agroalimentar e na alimentação animal em particular, tem a ver com o dossier da desflorestação, o denominado EUDR que, finalmente, parece ter sido assegurado o adiamento da sua entrada em vigor por um período de 12 meses.
Na edição anterior destas Notas semanais, tínhamos refletido sobre o tema em “Ser mais papista que o Papa?” mas o que aconteceu, entretanto?
Na segunda reunião do Trílogo, a 3 de dezembro, face à posição do Conselho, o PPE viu-se “obrigado” a retirar a proposta de alterações e assim garantir a segurança jurídica para o adiamento, bem como a simplificação da sua execução, atenuando de algum modo o “monstro burocrático” da legislação, nas palavras de muitos eurodeputados.
As novas datas para a implementação do EUDR são 30 de dezembro de 2025 para as grandes e médias empresas, 30 de junho de 2026 para as pequenas, com a Comissão a comprometer-se com a classificação das zonas de risco dos diferentes países/áreas num prazo de 6 meses, até 30 de junho de 2025.
Deste modo, todos respiramos de alívio, mas é preciso ainda esperar pela votação no Plenário do Parlamento Europeu, agendada para o próximo dia 17 de dezembro.
No entanto, o maior destaque da semana vai para os momentos inspiradores de prémios ou iniciativas levadas a cabo por agricultores, jovens e menos jovens, que revitalizam o Mundo Rural, o tornam mais atrativo, com uma atitude resiliente e de esperança no futuro, nestes tempos tão incertos e desafiantes.
Aqui trazemos 3 exemplos que vale a pena reter e replicar.
O primeiro, os Prémios Timac Agro/Expresso que mostraram o que de bom se faz ao nível da inovação em Portugal. Inovação é sinónimo de tecnologia e conhecimento, de base científica, sem o qual o setor agrícola não pode ser competitivo e muito menos sustentável. O segundo, um projeto que está a nascer em Ferreirim, Sernancelhe, que envolve um conjunto de pequenos agricultores, 400 olivicultores, de preservação do olival tradicional, com variedades bem-adaptadas às condições locais, tendo em vista a produção de azeite de elevada qualidade, diferenciador, e em simultâneo promover o território, criando valor ambiental, de prestação de serviços ao ecossistema. Neste caso, também com o recurso à Ciência e ligação à Academia, numa parceria com o Instituto Politécnico de Bragança. O terceiro vem de Bruxelas, com 3 projetos portugueses nomeados, a atribuição dos prémios ARIA 2024 (Agricultural & Rural Inspiration Awards) , a 4 de dezembro, no âmbito do EU CAP Network, que promove um diálogo construtivo e de verdadeiro “benchmarking”, facilitador de consensos, entre autoridades, decisores e stakeholders, e que pode corporizar a visão sobre o futuro da Agricultura e Alimentação, cujo Plano de Ação iremos conhecer dentro de 100 dias.
Aliás, talvez não por acaso, Christophe Hansen, recém-nomeado Comissário para a Agricultura e Alimentação, fez a sua primeira aparição pública neste evento. Naturalmente, não deixou de se referir à sua linha de atuação enquanto Comissário, de afirmar a Agricultura como setor estratégico, a segurança alimentar, a aposta nos jovens agricultores, o diálogo, a autonomia da Europa, a vitalidade das zonas rurais, as alterações climáticas, o bem-estar animal, a tecnologia, sustentabilidade e competitividade…tudo aquilo que já lemos no Diálogo Estratégico. Veremos as medidas concretas, o orçamento disponível e como atingir os objetivos.
Seja como for, todos estes prémios e os que ainda serão atribuídos em Portugal, noutras iniciativas similares, representam liderança, coragem e perseverança, projetos que devem ser replicados e promovidos, desde logo pela Rede Rural Nacional, pelo seu envolvimento na EU CAP Network.
Estes são exemplos de empreendedorismo, apesar das dificuldades, e que nos desafiam para sermos ativos na discussão de uma futura PAC (e ainda a tempo de mudar a atual) que todos queremos mais simples, flexível, com uma agricultura presente em todo o território, sem esquecer que a principal função é a produção de alimentos e a criação de riqueza, de presença no mercado global, de autonomia e soberania alimentar, mas também o valor ambiental, a biodiversidade e respeito pelo bem-estar animal. Estas pessoas mostram-nos que desistir não é opção. Representam um Mundo Rural que nos inspira, na sua multifuncionalidade. Por isso, merecem uma PAC e um PEPAC à altura dos seus sonhos e ambições.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Ser mais papista que o papa? – Jaime Piçarra – Notas da semana