Ao fim de vários anos de curiosidade e aprendizagem sobre a pitangueira, alguns empresários vão obter este ano, na região de Almeirim, a sua primeira produção desta cultura tropical.
Carlos Afonso
No início, havia uma pitangueira, instalada na região de Almeirim há mais de uma década. A «curiosidade» suscitada pela cultura e pela adaptação da planta foi a motivação inicial da ideia que se foi desenvolvendo «devido ao potencial que víamos neste fruto» e que acabou por resultar na LusoPitanga, explica Vasco Neves, sócio fundador da empresa, tal como Arnaldo Mendonça, a que se juntaram recentemente José Sassetti e Fernando Souza.
O trabalho com a cultura teve início em 2016. Ao fim de dois anos e de «muito trabalho de experimentação», com base em informação recolhida sobretudo de fontes brasileiras, «tínhamos finalmente plantas para instalar um primeiro campo de ensaio». Com cerca de meio hectare, o campo de ensaio plantado em 2018 serve para «estudos e apresentação ao mercado» e irá proporcionar a primeira produção em 2020.
Produção de clones
Actualmente, estão a a plantar o primeiro hectare com as «condições técnicas definitivas»: a cultura está instalada no solo, em camalhão protegido, com sistema de fertirrigação localizado e redes de protecção contra ventos e pássaros. A aposta incidiu na região de Almeirim, «por questões de logística e porque já verificámos que a planta apresenta adaptabilidade para a zona», uma vez que «a planta mãe, com excelentes características produtivas, já se encontrava no local há mais de 10 anos e estava perfeitamente adaptada ao clima», diz Vasco Neves, também sales manager da FertiPower.
A variedade plantada é de cor roxa/preta, «que julgamos ser o fruto mais interessante em termos organolépticos», sendo que estão a «avaliar possíveis variabilidades e seu interesse». Na LusoPitanga, também estão a estudar diferentes compassos e formas de condução, porque «a informação técnica é pouca», com as opções a variarem entre o intensivo – com cerca de 500 plantas/hectare – e o superintensivo – com cerca de 1.250 plantas/ha.
A principal dificuldade com que se debateram foi «a obtenção de plantas que pretendíamos serem o mais parecidas com a planta mãe – cujas caraterísticas, por comparação com as informações técnicas que fomos avaliando, eram de enorme interesse, seja pelo elevado calibre, pela cor intensa e pelo sabor». Vasco neves sublinha que outra questão importante diz respeito à adaptabilidade da cultura ao clima de Portugal, «uma vez que plantas de origem externa não apresentam a mesma adaptabilidade que plantas já instaladas há vários anos nas nossas condições».
Todas as pitangueiras que a empresa tem instaladas e em viveiro são de origem seminal, mas já estão a «desenvolver estudos para produção de clones, que pretendemos registar». Em termos do custo de instalação, indica-se que, «dependendo da estrutura pré-existente, uma vez que se encaixa perfeitamente nos projectos de pequenos frutos, poderá rondar valores entre os 15.000 euros/ha e os 40.000 €/ha».
Na zona de onde é originária, a América do Sul, a pitangueira tem normalmente várias épocas produtivas, dependendo das condições climatéricas, da instalação e do manejo. No caso de Portugal, mais propriamente na região de Almeirim, os responsáveis da LusoPitanga afirmam que «podemos esperar apenas uma época produtiva – devido às nossas condições climatéricas não tropicais –, que ocorre entre Julho e Outubro.
Produção de proximidade
A nível comercial, a LusoPitanga poderá apostar em várias vertentes. Uma delas será «a comercialização dos frutos e seus transformados e, eventualmente, as folhas para a produção de óleos essenciais e chá». Outra consiste em «fornecer plantas certificadas para outros produtores que venham a mostrar interesse nesta cultura».
Como ainda não obtiveram produção comercial, apenas existem «produtividades expectáveis, extrapoladas a partir da planta mãe e do seu potencial», estimando-se um potencial de «10 toneladas/ha em ano cruzeiro, a partir do sexto ano». Pela mesma razão, o grau de brix dos frutos não foi ainda avaliado. Porém, como salienta Vasco Neves, «trata-se de um fruto extremamente rico em antioxidantes e acúcares e de coloração muito intensa, pelo que o brix será seguramente muito elevado».
De igual modo, não há certezas sobre o preço que se possa vir a obter pela produção. Contudo, na LusoPitanga acredita-se que o preço poderá ser interessante, «até porque se trata de uma produção necessariamente localizada junto do mercado consumidor e não sensível a produções externas».
Para já, no projecto de pitangueira desta empresa não há problemas fitossanitários a assinalar. «Trata-se de uma planta extremamente resistente ao stress biótico e abiótico. Por essas mesmas características, trata-se de uma produção naturalmente biológica.»
A olhar para o futuro, na LusoPitanga estão «também a trabalhar noutra cultura tropical com potencial», não divulgada. Quanto à pitanga, os elementos da empresa consideram que pode ser produzida noutras regiões de Portugal e que poderá cativar outros agricultores. «Queremos igualmente deslocalizar a operação, seja directamente ou através de produtores associados a uma organização de produtores que pretendemos vir a constituir através do fornecimento de plantas e consultadoria técnica.»
Breve retrato da pitangueira
A pitangueira (Eugenia uniflora) é uma árvore ou arbusto frutífero e ornamental, originária da América do Sul, nomeadamente da Argentina, do Brasil e do Uruguai. Nas zonas de origem, a pitangueira tem várias épocas produtivas. Produz frutos com um a quatro cêntimetros de diâmetro e quatro a oito gramas de peso, de forma globosa, com sulcos longitudinais, e que se caracterizam por um tempo de vida pós-colheita curto. Existem várias variedades, com as bagas a assumirem cores diferentes. Em Portugal, a cultura tem sido implementada sobretudo na ilha da Madeira.
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