Ler dá trabalho. Escrever, mais ainda. Ler e escrever, saber ouvir para saber contar, saber observar para poder descrever, ter conhecimento para o saber partilhar, são tudo processos de trabalhos culturais interrelacionados. Com o quê? Com o poder contar uma história. Uma história que seja credível, empolgante, capaz de mobilizar, de suscitar a vontade de, em boa parte por sua causa, se ter um determinado comportamento, um impulso de compra, um saciável e apreciável consumo. O storytelling, o honesto e autêntico storytelling. Que exige trabalho – ou não será capaz de ter qualquer um dos efeitos pretendidos.
A produção, comercialização e consumo de produtos agrícolas estão repletos de história. Tal como as empresas. De tal modo que qualquer DO ou IGP, qualquer artigo à procura de mercado em grande escala ou dum nicho por onde se possa escoar, associa no seu caderno de especificações ou no respectivo programa de marketing umas linhas de história que lhe confiram carácter ou que contribuam para despertar no consumidor a curiosidade e a adesão ao seu consumo.
De facto, a história que possa ser contada, a respeito duma empresa, dum processo ou dum produto, é muito importante e uma mais-valia quando chega o momento de se estar à mercê dos consumidores.
Há determinadas características e qualidades a considerar, para que a eficácia das linhas colocadas num rótulo, ou num site, ou numa ementa, ou numa candidatura de projecto, possa conferir essa mais-valia intrínseca ao produto ou ao projecto. As da credibilidade, autenticidade, solidez científica e conteúdo com qualidade literária são muito importantes, diríamos mesmo, essenciais. Para não falar desde já no estilo.
A credibilidade é o carácter do que pode ser verdadeiro ou do que é digno de confiança, enquanto a autenticidade é a qualidade do que é feito com verdade e sinceridade. Por isso, ser credível e autêntico devem ser os primeiros dos valores que uma história sobre um produto ou uma empresa deve inspirar. A solidez científica do que se afirma numa história é outro valor-base: qualquer deslize que não cumpra este critério, mais tarde ou mais cedo atingirá negativamente o produto ou a marca, fatalmente, como um boomerang. A qualidade literária, também. Sobretudo para o público mais instruído e culto, que é o que, uma vez fidelizado no seu consumo, mais tempo assegura que um artigo possa ter um long-selling, mais do que ser um fulgurante, mas breve, best-seller.
Há exemplos dos mais variados conteúdos de histórias sobre azeite, vinho, pão, bebidas, queijo, conservas, receitas regionais ou nacionais de pratos ou produtos, uma miríade de casos, que tanto podem ser analisados pela positiva como pela negativa. E sugiro um breve exame a cada um, que pode bem ser um auto-exame, ao que sobre qualquer coisa esteja afirmado num site, por exemplo: esta frase corresponde a que verdade? O que afirma é confiável? Terá sido escrita com uma primeira ou com uma segunda intenção? Cientificamente está correcta? É substantiva na afirmação ou está assente em adjectivos e advérbios de circunstância? Está gramatical e sintacticamente correcta? E o resto do texto? Parece redigido por IA ou copy/past ou são frases originais?
Finalmente, o estilo: a linguagem da mensagem é entendível sem esforço, é clara, correcta, harmónica com o idioma (terá de ser harmónico em português, em inglês, em francês, em castelhano, seja qual for o caso, sem os tiques duma tradução automática, habitualmente indicadores duma inspiração – para não dizer outra coisa – estrangeira…)?
O storytelling pode ser um excelente instrumento de marketing – ou a sua ruína, se não for bem feito. Não é um mero enfeite ou adereço para compor um folheto, um post, uma imagem colada a um produto. É algo que deve dar a conhecer e passar a fazer parte do valor patrimonial desse produto, imaterial e aparentemente intangível, mas que tanto pode promovê-lo e valorizá-lo no seu preço como, por outro lado, transformar-se num peso morto que não deixa que uma mercadoria ou que uma empresa sobressaia e se afirme.
Um bom storytelling rapidamente inspira a narrativa duma empresa – e torna-se parte do vocabulário dos seus agentes e da sua cultura como entidade.
O dinheiro gasto para se conseguir uma boa história para uma empresa, produto ou processo, é um investimento com retorno se para essa história houver uma boa investigação e pesquisa, seguida duma boa redacção do texto base, que servirá para marketing, para construção e conteúdo do site, para uso em rótulos ou em flyers de feira, para apresentações futuras. Uma boa história exige trabalho: de recolha e pesquisa, de leitura e escrita, de transformação da informação obtida em conhecimento, narrativa e cultura. Esse material, património da marca, servirá mais tarde para construir mensagens, ser lastro dos conteúdos com que se fará marketing e promoverá a valorização do produto e da empresa. Até a gente do design utilizará um bom storytelling para o transformar em arte e comunicar com os públicos mais vastos e captadores do intuitivo.
Há marcas e produtos portugueses que praticam tudo o que vai neste artigo e de forma brilhante. Têm contribuído para a história ao mesmo tempo que se mantêm no mercado e ganham dinheiro com a reputação e sustentabilidade cultural que granjearam para o seu nome e fama. Mas há outras que nada fazem para sair do oblivion. Ou fazem o errado e não evoluem. E perdem dinheiro por isso. Deveriam investir em storytelling.
Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021