A indústria automóvel entrou na autoestrada da eletrificação e elegeu um inimigo: o diesel. Marcas adaptam-se a novas formas de mobilidade, mas o combustível ainda não tem os dias contados
A indústria automóvel vive no limbo entre tradição e evolução sustentável e os fabricantes estão bem conscientes da importância das soluções de mobilidade alternativas e da via rápida da eletrificação. Cada marca escolhe o seu posicionamento na mesa de jogo: muitas especulam, algumas radicalizam o discurso – e as próprias linhas de produção. A sueca Volvo, por exemplo, anunciou que já neste ano passará a produzir apenas elétricos e híbridos, eliminando gasolina e gasóleo das suas gamas.
Nem todos os construtores, porém, vão tão longe. A maioria faz aposta dupla: por um lado, continua a investir na evolução tecnológica dos tradicionais motores de combustão interna, de modo a torná-los mais eficientes e ecológicos; por outro, vai apresentando propostas elétricas e híbridas para não perder terreno num segmento de cujo crescimento exponencial ninguém duvida, apesar de ainda ser residual em muitos mercados.
No caso dos elétricos, é caso para dizer que cada continente anda à sua velocidade. Se os EUA superaram as vendas na Europa – representam 2,1% do mercado, contra menos de 2% (Portugal fica-se pela metade da média europeia, com 1% de quota), estão agora apostados em alcançar a China, onde reside o campeão mundial na comercialização destes modelos, com uns expressivos 4% do total do mercado, segundo relatório do Transport & Environment.
Ligados à corrente
A importância do monstro asiático ficou bem patente na Conferência Anual da Porsche, no museu da marca, em Estugarda. Basta referir que a apresentação internacional do novo Macan aconteceu em Xangai, mercado onde a marca registou, em 2018, um crescimento das vendas na ordem dos 12%. E onde continua a alimentar elevadas expectativas, nomeadamente com este SUV compacto, que será 100% elétrico na sua próxima geração. Oliver Blume, presidente do Conselho Executivo da Porsche, reconhece que “produzir um elétrico ou híbrido é em média dez mil euros mais caro do que um modelo de combustão”. Mas a marca assume a despesa e garante que não transferirá o custo para os clientes. Como promete não abandonar os que tenham comprado um carro a gasóleo, confirmada que está a descontinuação deste tipo de combustível nas suas linhas de produção.
O objetivo é fazer tudo de forma “consequente”, respeitar os fãs tradicionais. Mas as cartas estão na mesa. Até 2025, um em cada dois modelos da Porsche será elétrico ou híbrido. Exemplo desta aposta é o novo Taycan, que será apresentado em setembro. “É o início de uma nova era”, garante Blume. Trata-se do primeiro modelo 100% elétrico produzido de raiz pela Porsche. E já mexe com a estrutura. “A nossa força de trabalho mais que duplicou em sete anos”, diz, reforçando o investimento na eletrificação das gamas. “Estamos a criar 1500 novas funções para produzir o Taycan.” Até porque a procura tem sido muita: “Já há 20 mil pessoas seriamente interessadas em comprar estes modelos.”
Diesel é o alvo comum
O mercado europeu ainda vive os ecos do escândalo das emissões poluentes da VW, entre 2009 e 2015. O Dieselgate fez do gasóleo o inimigo público número um do mercado – e de muitos governos. No caso português, o próprio ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, afirmou que os veículos a gasóleo vão “perder valor comercial dentro de quatro a cinco anos”. Uma declaração que mereceu críticas das associações do setor, com a ACAP a lamentar que o governante “não tenha ponderado o impacto das suas palavras”. Nem tão-pouco o peso das receitas provenientes dos impostos – ISV (Sobre Veículos), IUC (Único de Circulação) e ISP (Sobre Produtos Petrolíferos) – destes modelos, recordando ainda que o setor automóvel é o “principal contribuinte líquido do Estado, com mais de 25% do total das receitas fiscais”.
Certo é que o foco do governo está nos elétricos. Desde o dia 1 de novembro, a rede de postos rápidos cresceu e o carregamento começou a ser cobrado. E o programa de incentivos para compra deste tipo de carros já foi atualizado: 3 mil euros para os particulares, 2,25 mil para as empresas.
Poder de adaptação
Tantas mutações no mercado – e as políticas associadas – têm obrigado as marcas a adaptar-se. O Toyota Corolla, que já vai na 12.ª geração, é exemplo disso. Com um modelo que vendeu 46 milhões de unidades em todo o mundo desde 1966 (o mais vendido da história), não se brinca, por isso, o construtor japonês não hesitou em eliminar o diesel das contas, lançando-o apenas a gasolina e dois híbridos.
Também a Porsche foi obrigada a improvisar, razão que Nuno Costa, diretor de marketing da Porsche Ibérica, aponta para a dificuldade de fazer previsões em 2018. “De repente disseram-nos: o diesel acabou! Não há mais! Estes motores representavam quase 50% das nossas receitas. Vendemos 720 carros em 2017 e pensei que as contas seriam muito fáceis: era dividir o número ao meio e teríamos as vendas de 2018. Só que optámos por outra estratégia: orientámos o cliente para novas versões a gasolina, como o Macan, e conseguimos converter os clientes do diesel”, explicou o responsável.
O ano de 2018 foi também o de entrada do WLTP (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure), que veio impor maior rigor e transparência nos consumos e emissões dos carros novos.
“Foi a tempestade perfeita. Fez que não houvesse produção a determinadas alturas, porque era preciso introduzir o novo filtro de partículas e esperar pela homologação. Houve interrupções… Todas as marcas se depararam com isto, mas a Porsche representa 0,30% do mercado, somos um nicho. Quando obtivemos as homologações, tivemos de ajustar as entregas.”
Jorge Flores é jornalista do Motor24