Como comentário a este mapa, o Laboratório de Fogos Florestais da UTAD escreve: “Entrada de ar frio mas seco e vento bastante forte no dia 20 de Março com valores muito elevados do índice de propagação do fogo do sistema FWI”.
O Laboratório de Fogos Florestais da UTAD é unanimemente reconhecido (por quem estuda o assunto, não forçosamente pela generalidade das pessoas que falam sobre o assunto), em Portugal, como produzindo informação de altíssima qualidade sobre o processo ecológico a que chamamos fogo.
Paulo Fernandes, um dos seus, ou o seu principal animador (não sei como se organiza este laboratório) é unanimemente reconhecido (por quem estuda o assunto, não forçosamente pela generalidade das pessoas que escrevem e falam sobre o assunto) como estando nos três melhores investigadores nacionais em ecologia do fogo e seguramente no topo da investigação mundial sobre o assunto.
Apesar disso, quando produzem um simples comentário como este, sobre um mapa que é de acesso público, há uma quantidade enorme de gente que não percebe que se nestes dias, com especial destaque para amanhã, há montes a arder pelo país fora, não é porque esteja a ocorrer uma grande convenção de incendiários com visitas de campo nestes dias, mas simplesmente porque as condições são muito favoráveis ao desenvolvimento do tal processo ecológico a que chamamos fogo.
Condições essas que estão perfeitamente definidas: acumulação de combustível no campo, por falta de gestão, e condições meteorológicas de vento e secura.
Muito menos são capazes de entender que arder agora ou arder no Verão tem efeitos completamente diferentes, podendo ser uma boa ideia deixar arder agora para diminuir os problemas dos fogos de Verão.
É verdade que é preciso acompanhar os fogos que ocorrem nesta altura do ano, em especial em dias de vento forte, porque podem atingir intensidades muito elevadas, indesejáveis, e tomar caminhos que não nos interessem, com destruição de valor, só que convém ter em atenção que suprimir fogos nesta altura é aumentar as probabilidades de ter de lidar com fogos muito mais perigosos no Verão.
Eu tenderia a dizer que o impulso de ir a correr apagar tudo o que arde nesta altura é uma espécie de impulso infantil, como a incapacidade de adiar o benefício imediato a favor de um benefício maior no futuro.
A ideia de que se fizermos tudo bem conseguimos controlar o processo ecológico a que chamamos fogo é uma ideia corrosiva e destruidora de valor, mas socialmente muito mais vendável que a ideia, mais modesta e mais humilde, e por isso bem menos mobilizadora de emoções, de compreender o processo ecológico em curso para o influenciar a nosso favor, com os recursos que podemos dispor para isso.
Sim, nestes dias tem ardido bastante, e ainda bem, e é bem possível que amanhã arda ainda mais, espero que cada vez mais responsáveis pela gestão do fogo saibam concentrar-se em proteger o que é vulnerável, em vez de desperdiçar recursos a tentar manter a pressão na mola dos fogos.
por henrique pereira dos santos, em 19.03.21
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.