Pouco se tem falado sobre o relatório que foi entregue à presidente da Comissão Europeia no passado dia 4 de Setembro, como não fosse importante o seu tema: um diálogo estratégico sobre o futuro da agricultura na União Europeia.
Ninguém negará a importância e a atualidade dos princípios orientadores do documento onde se reconhece, por exemplo, «que a produção agrícola e alimentar desempenha um papel estratégico no plano geopolítico como parte essencial da segurança europeia», ou a constatação que o conceito de sustentabilidade deve ser considerado e transportado, simultaneamente, aos domínios económico, ambiental e social. E, claro está, uma das recomendações que a equipa de trinta peritos apresentou tem a ver com a futura adequação da PAC para esses efeitos.
Por falar nessa necessidade de adequar a Política Agrícola Comum, vem à lembrança o último inverno, aquecido que foi pelos inflamados protestos dos agricultores europeus. Reclamavam alterações da PAC, pelo menos, na versão atualmente inscrita nos diferentes PEPAC (Planos Específicos da PAC) que vigoram em todos os estados membros. Talvez por ser tempo de colheitas, não temos visto os agricultores e as suas organizações a dedicar muito atenção ao Strategic Dialogue.
No relatório final que foi apresentado, como aliás seria de esperar, não se vislumbra qualquer resposta concreta aos protestos que trouxeram barricadas às estradas e às capitais da Europa agrícola: França, Itália, Alemanha, Espanha, Polónia. Recorde-se que as reclamações eram, mais ou menos, sempre as mesmas: a subida do custo dos fatores de produção, o aumento da oferta de produtos concorrentes vindos de fora da União, a crescente exigência de burocracia. E, depois deste Diálogo Estratégico, o que podem os agricultores da UE esperar? Uma reforma da PAC com um aumento real no valor das ajudas para apoio ao rendimento? O levantamento de barreiras à entrada de produtos concorrentes?
Por agora, nada disso. A partir do ano 2027 haverá, na UE, um novo QFP (quadro financeiro plurianual). Tenhamos presente que no atual QFP (2021-2027), a segurança da Europa, a defesa, as migrações e a gestão das fronteiras, no seu conjunto, têm uma expressão orçamental residual (perto de 2%) e os “novos tempos”, tudo o indica, levarão a uma clara prioridade política e orçamental para estes domínios. No que toca à agricultura, repare-se que nos últimos quarenta anos, a PAC tem vindo, gradual e consistentemente, a perder importância orçamental no total da despesa. Chegou, nos anos oitenta, a rondar os 70% do orçamento comunitário, à passagem do século andava pelos 50% e agora ronda os 20%. Acreditamos que a “coesão territorial e a resiliência” (designação utilizada no próprio QFP) continuará a constituir a principal alocação para os fundos europeus, onde já pesa mais de 60% do total. Nesta perspetiva continuaremos a assistir à deslocação do “centro gravítico” da agenda europeia numa trajetória cada vez menos agrícola e menos mediterrânica. E, note-se, o alargamento não acabou, a Ucrânia virá aí. Vejamo-lo como uma oportunidade.
Este quadro evolutivo nada melhora se atendermos às atuais dificuldades económicas e, sobretudo, orçamentais dos principais estados membros da União. Lembro aqueles que são, simultaneamente, os grandes produtores agrícolas e os maiores recebedores de fundos do FEAGA: França, Itália, Alemanha e Espanha, um grupo que, no seu conjunto, representa mais de 50% do produto agrícola europeu e idêntica dimensão nas despesas anuais da PAC.
Uma coisa parece certa: a Europa do futuro continuará a produzir alimentos e deverá fazê-lo à luz das recomendações do Strategic Dialogue, contribuindo, mais do que hoje, para a autonomia e segurança alimentar europeia. Uma breve passagem do relatório no seu ponto 3 (Visão do futuro) refere que «a agricultura e os sistemas alimentares da Europa contribuem para a segurança alimentar da Europa quando proporcionem um acesso suficiente a uma gama diversificada de alimentos seguros, acessíveis, sustentáveis e nutritivos para uma dieta saudável, produzidos segundo normas elevadas de bem-estar animal, com proteção do ambiente natural e dos seus serviços ecossistémicos, sob uma forma resiliente e economicamente robusta. (…) Ao mesmo tempo a agricultura e os sistemas alimentares europeus garantam que a UE é resiliente e estrategicamente autónoma em matéria de géneros alimentícios, alimentos para animais e biomassa». Esta visão é ambientalista mas também produtivista, diferente de outras já passadas. No entanto, não significa que dos fundos europeus para a agricultura se espere um “envelope” aumentado. Façamos, então, aqui em Portugal, aquilo que é possível fazer: uma gestão mais eficiente dos dinheiros públicos europeus. E, isso sim, está ao nosso alcance. Só depende dos portugueses.
Eng.º Agrónomo