É interessante atentar que, nas Legislativas de 2022, apenas três partidos políticos, a que correspondem ¾ dos votos apurados, incluíram claramente nos seus programas eleitorais o propósito de desenvolver o regadio sustentável (Campello, 2022).
Cabe notar que os solos de Portugal Continental são na sua maioria pouco profundos, pedregosos, 83% são ácidos e 70% apresentam um baixo teor de matéria orgânica. Consequentemente, apresentam baixa fertilidade e exigem a adoção de práticas agronómicas adequadas, como, por exemplo, a não mobilização do solo – segundo o Professor Mário de Carvalho, a erosão representa o maior problema ambiental gerado pelo sector –, calagens e fertilizações orgânicas.
Acrescem, por outro lado, conforme escreveu Mestre Vieira Natividade em meados do século passado (sic): «As prolongadas estiagens, tão características do clima mediterrâneo, e que pesam sobre a agricultura portuguesa como uma trágica maldição».
Com efeito, em decorrência do clima mediterrânico de Portugal Continental, a chuva escasseia quando a temperatura ambiente é favorável ao crescimento das plantas (Primavera – Verão).
Este longo período de défice hídrico, com amplas variações inter-anuais de precipitação, poderá vir a sofrer um agravamento caso se confirme a ocorrência das previsíveis alterações climáticas conducentes à redução da precipitação, nomeadamente na região mediterrânica. Atendendo ao que precede, o recurso ao regadio permite assegurar a disponibilidade da água necessária às culturas, contribuindo para favorecer a sua produtividade, inclusivé a adaptação às alterações climáticas.
Segundo a Federação Nacional de Regantes de Portugal (FENAREG, 2019), em média 1 hectare de regadio produz 5 vezes mais do que 1 hectare de sequeiro, o que corresponde a um incremento substancial do rendimento das produções agrícolas, contribuindo assim para a viabilidade económica de muitas explorações e consequente fixação de populações (tanto diretamente nestas, como nas empresas de prestação de serviços e de fornecimento de factores de produção inerentes à actividade agrícola).
Adicionalmente, um aumento da produção contribui para o equilíbrio da balança comercial agrícola e agroalimentar, cujo défice se elevou a 3,8 mil milhões de euros em 2021.
Acontece, porém, que ainda segundo a FENAREG (2019), a água de regadio representa cerca de 12% da superfície agrícola utilizada (SAU), que por sua vez corresponde a 43% da superfície total do país (Pordata, 2021), sendo que em 2019 52% das terras agrícolas correspondiam a pastagens permanentes (INE, 2019).
Actualmente, a área irrigável corresponde a 630 500 hectares e 90% da mesma é efetivamente regada (INE, 2021).
Importa sublinhar que cada vez mais têm vindo a ser vulgarizadas várias técnicas conducentes a uma crescente eficiência da rega, sendo de realçar que, na 9ª edição do prémio Empreendedorismo e Inovação, que teve lugar em 2022, o Grupo Crédito Agrícola – denotando particular sensibilidade e conhecimento da actividade agrícola e da sustentabilidade – atribuiu uma distinção de reconhecimento especial a um projecto de Software de apoio à decisão aos agricultores no que respeita à recomendação hídrica das suas culturas, que promove uma rega mais sustentável e eficiente.
Perante o quadro anteriormente traçado, atinente às características edafo-climáticas de Portugal Continental, e tendo presente que, nas últimas três décadas, conforme tem sublinhado o Professor Avillez: i) deixaram de ser cultivados 1,3 milhões de hectares por falta de competitividade (agora ocupados com matos vulneráveis aos fogos, com consequências negativas para o ambiente – solos e atmosfera); ii) o produto agrícola bruto vem registando uma evolução negativa e iii) o défice da balança comercial agrícola e agroalimentar é muito elevado – os decisores políticos lançaram o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, com um calendário de implementação 2012-2020, e em 2018 implementaram o Programa Nacional de Regadios com vista a criar mais de 90 mil hectares de regadio até 2022 (a área abrangida efetivamente corresponde a 55 332 hectares, o que é insuficiente).
Entretanto, o Ministério da Agricultura pediu à Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA) o estudo “Regadio 20/30 – levantamento do Potencial de Desenvolvimento do Regadio de Iniciativa Pública no Horizonte de uma Década”, tendo-se concluído que: i) o regadio pode ser compatível com a preservação dos valores ambientais; ii) há estruturas de regadio muito envelhecidas, pouco eficientes e que importa reabilitar ( o projeto AGIR – Avaliação da Eficiência do Uso da Água e da Energia em Aproveitamentos Hidroagrícolas – promovido pela FENAREG em 2021, veio dar um contributo relevante nesta matéria); iii) existência da possibilidade de associação da energia fotovoltaica às estruturas de regadio, baixando assim os custos energéticos e simultaneamente a pegada carbónica.
Adicionalmente, o presidente da EDIA, Engenheiro Agrónomo José Pedro Salema, demonstrou que «a criação de riqueza no regadio é, estatisticamente, seis vezes maior por unidade de área do que é no sequeiro, podendo mesmo ser bastante mais expressiva nalguns casos.
Acrescente-se, por último, que para mitigar a escassez de água, o Governo no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, já tem em curso os estudos conducentes à construção de duas centrais de dessalinização, a instalar no Algarve e na região Litoral alentejana. Terão, porém, alguns efeitos ambientais negativos, com relevo para o gasto energético. Note-se que no Porto Santo já funciona uma central desde 1980, na vizinha Espanha funcionam 700 centrais e, em Portugal Continental, já existem pequenas unidades de osmose inversa para tornar potáveis algumas águas excessivamente ricas em minerais, designadamente sódio e ferro.
Engenheiro Agrónomo, Ph. D.
Do Prado ao Prato na perspetiva de um fruticultor português – Manuel Chaveiro Soares