Pode. Como? Através de técnicas enológicas do tempo dos nossos avós. Querem um bom exemplo? O novo tinto Parcelas 2018, criado por Luís Cabral de Almeida, que assinala com estilo os 30 anos da Herdade do Peso.
Dizem que alguns enólogos andam angustiados porque todas as técnicas e truques enológicos são de livre acesso na Internet. Fermentação alcoólica, check; maloláctica, check; trabalho com borras de colheitas anteriores, check; selecção de madeiras, check; feitura de lotes, check. Está tudo explicadinho na net.
Este discurso caricatural serve para revelar que a capacidade de um enólogo para surpreender os consumidores virá do trabalho minucioso na vinha e não tanto na adega. Em matéria de viticultura, ainda há muito caminho para desbravar, quer no que diz respeito à selecção de castas e à riqueza intervarietal de cada uma delas, quer no que diz respeito ao estudo de solos e suas exposições, tudo isso conjugado com a história das alterações climáticas. Agora, por mais ciência que se meta no mundo do vinho, o que continuará a fazer a diferença é a interpretação do enólogo perante matérias-primas e parafernálias enológicas comuns. Um grande enólogo é como um grande cozinheiro. Depende mais da sua imaginação do que das matérias-primas. Se dermos os mesmos ingredientes e as mesmas condições técnicas a 10 chefes, os resultados serão diferentes porque, felizmente, cada um revelará uma identidade criativa inconfundível. Donde, quando se fala do terroir de um vinho fala-se da capacidade interpretativa do enólogo.
Vem esta conversa a propósito do lançamento do Parcelas 2018, da Herdade do Peso, do universo Sogrape. Quando nos disseram que a nova chancela arrancava com um varietal de Alicante Bouschet, ficámos a sorrir para o nosso interlocutor, mas com o cérebro a dizer em silêncio que ninguém merece ir ao lançamento de um Alicante Bouschet numa noite de verão. E porquê? Primeiro, porque andamos enjoados de Alicante em modo varietal, segundo, porque, provenientes de regiões quentes, são tintos pesadões e, terceiro, porque a casta é, grosso modo, impositiva e linear.
Uma pessoa leva um copo de Alicante Bouschet ao nariz e é como se aterrasse num bosque húmido com uma família alegre de cogumelos de mãos dadas com ameixas maduras. Depois, na boca, peso, densidade e matéria corante tão carregada que convém ir passando água pelos dentes porque caso contrário parece que estivemos a provar tinta-da-China. Claro que sabemos que existe um tinto chamado Mouchão (feito de Alicante Bouschet), que é tudo menos […]