No início do mês de março, em plena integração de empresas e a braços com uma reflexão que se impunha ao setor agroalimentar, sobre as perspetivas da produção e da Sustentabilidade, ou seja, a poluição causada pelos animais, o aumento das tendências vegan ou, ainda, a produção de carnes sintéticas, eis que vindo do lado para o qual se deslocou Marco Polo, nos chegou um “senhor” a quem chamaram coronavírus, porque tem coroa de rei. “Sua Alteza” mudou tudo e em muito pouco tempo. Calou as preocupações anteriores à sua chegada, colocou os países em estado de emergência, obrigou Donald Trump, Boris Johnson, Jair Bolsonaro, este na altura em que escrevo ainda resistente, a engolir, em seco, como se com sintomas da doença Covid-19, a meterem ao bolso a sua arrogância. Quem diria?
Mas “Sua Alteza” também me obrigou, a mim, a colocar as perspetivas em perspetiva e a questionar-me se, se queremos, seriamente e em conjunto, pensar em futuro, não nos veremos todos obrigados a repensar muitas coisas.
Comecemos pela interligação da economia mundial. Será que a globalização é suficientemente equilibrada e nos permite produzir de forma sustentada em todo o mundo? Ou estamos a deslocar produções para áreas que deveríamos proteger em nome de uma economia mais rentável? É justo comprar mais barato quando o que se compra mais barato depende de países que não respeitam os direitos humanos, ou as crianças, ou a igualdade de género e racial e, como consequência, enfrentamos, entre outras coisas, os desequilíbrios que provocam as migrações em massa? Justifica-se tudo isso porque podemos comprar roupas mais baratas, comida mais barata, carros e gadgets muito mais baratos? Justifica-se abandonar as nossas terras, deixando-as a criar mato, a potenciar incêndios e, como consequência, a termos mais poluição e mais desequilíbrio, em nome de uma produção mais barata na Amazónia ou em países com regras sanitárias diferentes que produzem em clara concorrência desleal? Não será tempo de pensar que o ensino à distância pode potenciar mais retenção de jovens no interior e menos deslocações para os grandes centros, além de menos gastos para as famílias e um ensino mais democrático? Não será tempo de pensar que se podem usar mais os meios eletrónicos para facilitar a vida dos cidadãos na relação com o Estado? Não será tempo de olhar para os nossos agricultores e dar-lhes o valor que realmente têm? Será já o tempo de assumir que a produção de alimentos deve ser uma prioridade nacional e de perceber que uma nova economia mais científica -onde os avanços permitem produzir mais, mais seguro, com menos terra, menos uso de água e menos produtos indesejáveis para o ambiente- pode ser uma realidade positiva? Se há um dado, claro, entre muitos que se clarificarão é que a poluição diminuiu, e muito, com as paragens das economias: menos viaturas a circular, menos barcos, menos aviões, em suma, menos uso de combustíveis fósseis. Basta ver os mapas de poluição de Itália e China durante os períodos de emergência. Se antes as vacas eram as culpadas pela poluição e as mesmas continuam a produzir, e a comer, como sempre, já podemos dizer Aleluia!! Acabar com as vacas não é a panaceia da Sustentabilidade.
“Sua Alteza” demonstrou a impossibilidade de parar o que é essencial, nomeadamente a produção de alimentos para o ser humano. A cadeia alimentar, onde estamos inseridos foi, é e será determinante para o bem-estar de todos os cidadãos sejam eles urbanos ou não e essa realidade é inegável e inquestionável. Esperemos que todos sejam capazes de o entender e que todos aplaudam, também, os heróis deste setor, que na frente da batalha, correndo o risco de serem contaminados pelo vírus coroado, trabalharam e trabalham, dia e noite, para que nada falte nas nossas mesas.
Em perspetiva, depois desta emergência mundial teremos que construir um mundo onde o conhecimento científico, o respeito pelos direitos do homem, a igualdade de género e racial e a sustentabilidade se sobreponham aos medos e aos receios daqueles que gostam de cavalgar o lucro fácil, mas também o populismo barato e a ignorância.
* Diretor da Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais