Pedro Soares dos Santos, CEO da Jerónimo Martins, classifica como “desonestidade intelectual” as declarações sobre as margens da distribuição e acusa o ministério de “denegrir a imagem do sector”.
Nas medidas de combate à inflação alimentar, Portugal – disse-o esta sexta-feira o ministro das Finanças – optou por um modelo tripartido (entre Estado e sectores de produção e distribuição alimentares, com quem está a negociar) e híbrido entre aquilo que França e Espanha já tinham feito. Madrid optou por reduzir o IVA num conjunto de produtos alimentares, deixando à distribuição a responsabilidade de o passar aos consumidores, Paris optou por chamar os principais distribuidores e obter deles o compromisso na estabilização e redução ao preço mínimo possível. Pedro Soares dos Santos, presidente da Jerónimo Martins SGPS, em entrevista concedida antes do anúncio do Governo – de criar um cabaz alimentar em que a produção se comprometa a estabilizar preços para que a distribuição possa repassar ao consumidor a efectivação da descida do IVA –, demonstra preferência pela diminuição da carga fiscal. E, apesar da tensão recente criada pelo ministro da Economia, António Costa Silva, sobre as margens brutas do sector, acredita que as negociações com o Governo chegarão a bom porto.
No âmbito das medidas do Governo para travar a inflação alimentar, pelo que deu a entender na conferência de resultados [na quinta-feira], a vossa posição seria mais no sentido da redução da taxa de IVA sobre produtos alimentares, como em Espanha, do que a estabilização de preço de um cabaz de alimentos, como em França?
O que é a opção francesa? É um cabaz de produtos. E o [grupo] E.Leclerc foi muito honesto e disse: “Mas isso já nós fazemos.” Mais uma vez, esse tipo de cabaz [como o francês] é pura publicidade. Porque nós já o fazemos, actualmente. Já reduzimos ao máximo os preços.
Acha que isso acabaria por ser fixação de preços ou que é desnecessário?
Acho que é desnecessário. Nós vamos reflectir sempre os preços o melhor que pudermos – se fixar preços e por acaso [a inflação] descer, o que é que se faz? Isso não faz absolutamente sentido nenhum. O Governo, se quer baixar a inflação é incentivar os consumidores, através do seu IRS e dos impostos, e fazer alguma coisa pela agricultura portuguesa – o presidente da CAP [Confederação dos Agricultores de Portugal] já foi muito explícito sobre o que é preciso, que é realmente investir no apoio à produção. Tal e qual como Espanha, como França, como todos os outros países da Europa fazem. Apostam muito na produção agro-industrial e é aí que está a base de todo este processo.
Mas a produção agro-alimentar em Portugal tem um mecanismo de financiamento – como nos restantes Estados-membros da UE – que é a Política Agrícola Comum (PAC).
É? Vá ver o que os outros países põem em cima da PAC.
Então é a comparticipação nacional que está a falhar?
Completamente. Não fazemos nada, não damos um tostão para a produção. E depois estamos com este problema. Perdemos competitividade perante os outros países. E cada vez mais.
Apoiar a produção também seria, de alguma forma, apoiar a Jerónimo Martins no agro-alimentar, não?
Não. A Jerónimo Martins nunca pediu um tostão para o seu agro-alimentar. E nem vai pedir. A Jerónimo Martins Agro-alimentar (JMA) é autónoma, completamente – quer na gestão, quer para quem vende. Os clientes não temos que ser nós obrigatoriamente. A JMA, que é nossa a 100%, é uma área de negócio como qualquer outra, onde temos muitas parcerias, sobretudo na parte agrícola. Porque é o que faz sentido, é dar dimensão.
Portanto, o que defende é que o Governo devia apoiar a produção e diminuir a tributação sobre o rendimento, em sede de IRS. Mas isso não se faz de um dia para outro, não é?
No IRS, em taxas e taxinhas…
Está a pensar na Taxa de Segurança Alimentar?
Estou a pensar em tudo. No imposto de selo, de cada vez que se quer um documento, as licenças, as renovações das cartas de condução (até diminuem o tempo para pagarmos mais) – este tipo de impostos. Há muita coisa que se cria neste país que são impostos encapotados.
Mas aliviar a tributação sobre os rendimentos em sede de IRS não é uma coisa que se faça de um dia para outro.
Não fazem porque temos um Estado pesado. Se não fosse pesado, e pensassem verdadeiramente nas pessoas… Uma pessoa que passou a vida toda a descontar para a reforma, porque é que tem de pagar IRS? Segurança Social, eu percebo. Mas o IRS não percebo. Porque é que um reformado paga IRS? Andou sempre a descontar, ainda vai continuar a pagar? Mas porquê? Tenho muitas dúvidas.
Voltando ao IVA, como é que se faz o cabaz certo para fazer esse abatimento do imposto sobre os bens alimentares? O Governo tem conversado convosco através da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED)?
Tem conversado através da APED e é aí que ele deve encontrar o cabaz e aquilo que é importante nas várias dimensões. Penso que deve ser na carne, nos frescos, e nalguns produtos básicos.
Mas os ânimos estão muito “crispados” – para usar a expressão recente da APED. E, nesse contexto de crispação, consegue o sector ter um diálogo com o Governo?
Consegue, desde que o Governo se torne honesto, através do secretário de Estado e do ministro – tornem-se pessoas honestas nas discussões.
Está a remeter para a conferência [de imprensa] sobre as margens de lucro [realizada a 9 de Março, com o ministro da Economia, o secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços e o inspector-geral da ASAE]?
Exactamente. E para o teatro que andaram a fazer com as pessoas da ASAE. Porque a única coisa que eles quiseram fazer foi denegrir a imagem do sector. E não têm a mínima autoridade moral para o fazer. Foram, verdadeiramente, desonestos intelectualmente, em toda a linha.
Está a referir-se a…
À forma como falaram de todo o sector e à forma como pediram à ASAE [Autoridade de Segurança Alimentar e Económica] para fazer as inspecções, levando as televisões atrás.
Mas as inspecções vão continuar, possivelmente.
Eu acho bem que continuem, a ASAE é bem-vinda, tem um papel importante na sociedade portuguesa, tem um papel importantíssimo no apoio às empresas e na correcção de algumas coisas que possam acontecer. Agora, os erros que eles encontram, irão encontrar toda a vida. São milhares de pessoas que trabalham e mexem nestas coisas. Antes já havia intervenções. Para que é que querem as televisões agora? Só para denegrir a imagem, não é para outra […]
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