As golas para autoprotecção, distribuídas pela Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC), no âmbito do programa Aldeia Segura, têm sido encaradas de diferentes formas. Num documento do Ministério da Administração Interna, relativo aos incêndios rurais de 2018, estes equipamentos são chamados “kits de autoprotecção e golas de protecção de fumo”. No comunicado divulgado esta sexta-feira pela ANEPC é referido que são equipamentos “para a adopção de medidas de autoprotecção”. A par do seu fabrico, foram produzidos e distribuídos diversos materiais de sensibilização, designadamente o Guia de Implementação dos Programas, os Folhetos de Sensibilização multilingues, a Sinalética identificativa de itinerários de evacuação e de locais de abrigo ou refúgio e os kits de emergência. Contudo, a mensagem de que se trata de equipamento com um propósito de sensibilização poderá não ter sido passada correctamente a todas as partes.
Contactadas pelo PÚBLICO, algumas autarquias que aderiram ao programa explicaram que, quando foi feita a demonstração à população, a Protecção Civil passou a mensagem de que estes equipamentos deveriam ser utilizados em caso de emergência. O autarca da freguesia de Cogula, em Trancoso, Pedro Monteiro, esclareceu que “foi explicado às pessoas que deveriam ter o kit em casa e para o usarem em caso de emergência”. A freguesia de Évora Monte, pertencente ao município de Estremoz, detalhou que foi dito aos residentes que se tratava de “um kit de emergência para um caso de incêndio e que ensinaram a colocar a gola” na acção realizada em meados de Junho.
No entanto, Januário Coradinho, técnico da Protecção Civil no Gabinete Municipal da Protecção Civil de Estremoz, deu conta que a distribuição dos equipamentos teve “a intenção de fazer passar informação às pessoas e que fazia parte de uma acção de sensibilização”.
Ricardo Peixoto Fernandes, responsável da Foxtrot Aventura, a empresa que assegurou a produção dos “kits de autoprotecção e golas de protecção de fumo”, como se lhes refere o Ministério da Administração Interna num relatório dos incêndios rurais de 2018, afirma que no caderno de encargos do contrato assinado com o Estado era pedido o uso de poliéster e que este “material não deveria ser usado em situações de incêndio”. O CEO explicou ao PÚBLICO que se trata de “uma gola de protecção para o frio ou calor e que não pode ser confundida com uma protecção para incêndios”. “O kit é demonstrativo do tipo de protecção que se deve ter em casa para situações não exclusivas a incêndios”, acrescentou.
A empresa que opera no sector de “turismo e natureza”, segundo o Portal da Justiça, é detida pelo marido de uma autarca socialista. Isilda Silva, presidente de junta de Longos, em Guimarães, é casada com o Ricardo Peixoto Fernandes e foi eleita para um novo mandato em 2017 com o apoio dos socialistas. Em declarações à Renascença, o empresário garantiu que a mulher “apenas soube deste contrato já bastante tarde” e que “é independente”, não estando “filiada em qualquer partido”. Ricardo Peixoto Fernandes insistiu ainda: “Em nada interferiu a relação da minha esposa e os partidos.”
A Protecção Civil esclareceu, entretanto, que as golas antifumo distribuídas no âmbito do programa Aldeia Segura destinam-se apenas a movimentos rápidos de retirada de pessoas em caso de incêndio e que a sua segurança não está em causa.
Mensagem de tranquilidade
“Quero passar uma mensagem de tranquilidade junto das aldeias, é que estes equipamentos servem sobretudo para uma protecção temporária, num movimento que se espera que seja rápido, e não nunca para enfrentar um incêndio florestal”, disse à RTP a segunda comandante nacional da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC), Patrícia Gaspar.
O esclarecimento de Patrícia Gaspar surge após o Jornal de Notícias escrever esta sexta-feira que 70 mil golas antifumo fabricadas com material inflamável e sem tratamento anticarbonização, que custaram 125 mil euros, foram entregues pela Protecção Civil no âmbito do programa Aldeia Segura e Pessoas Seguras.
De acordo com o jornal, as golas antifumo, fabricadas em poliéster, “não têm a eficácia que deveriam ter: evitar inalações de fumos através de um efeito de filtro”.
A segunda comandante nacional explicou que estas golas, assim como todo o equipamento que foi distribuído junto das aldeias que têm este projecto, devem ser usadas “em momentos que se esperam que sejam rápidos” e “tem a ver com a necessidade destas pessoas, num dado momento, poderem ter de sair das suas casas para entrarem num transporte ou para se dirigirem a um abrigo ou a uma situação de refúgio”.
“Em nenhum momento este equipamento foi identificado como equipamento de protecção individual ou como equipamento que pudesse ser usado numa situação de confronto com incêndio florestal”, precisou, sublinhando que nos locais onde há fumo “é fundamental” que as pessoas tenham golas para cobrir as vias respiratórias.
Patrícia Gaspar disse também que o esperado “é exactamente o contrário”, que estas pessoas “não se exponham aos incêndios”.
A responsável insistiu ainda que objectivo é que “numa situação limite, em que o incêndio esteja a chegar a uma determinada aldeia, estas pessoas possam ter noção que este equipamento é fundamental para uma protecção que se pretende que seja rápida, enquanto se dirigem de um determinado local da sua habitação para um transporte ou para um refúgio”, insistiu.
Por sua vez, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, disse esta sexta-feira que é “irresponsável e alarmista” a notícia sobre as golas antifumo com material inflamável distribuídas no âmbito do programa Aldeias Seguras.
Programa está em mais de 1600 aldeias
O ministro sublinhou a importância do programa que está em curso em mais de 1600 aldeias do país, assegurando que a distribuição das golas antifumo não põe em causa nem o projecto nem a segurança das pessoas.
No âmbito dos programas Aldeias Seguras e Pessoas Seguras, que procuram garantir uma maior protecção das aldeias em caso de incêndio, são designados oficiais de segurança, figura que tem como missão transmitir avisos à população, organizar a evacuação do aglomerado, em caso de necessidade, e fazer acções de sensibilização junto da população.
No último balanço feito pela Protecção Civil, os programas Aldeia Segura e Pessoas Seguras estão a ser realizados em 1909 aldeias, existindo 1507 oficiais de segurança local e 1466 locais de abrigo.