Os últimos 17 anos na produção de leite em Portugal
(escrito para a Gazeta Rural, para assinalar os 17 anos desta revista)
Em 2004, liderando na altura a Associação dos Jovens Agricultores do Distrito do Porto, organizei uma viagem inesquecível ao Norte de Espanha. Fomos à procura do futuro que ainda não existia em Portugal. Começámos por visitar na Galiza, em Lugo, uma cooperativa com “unifeed automotriz coletivo”, seguimos até Santander para visitar uma vacaria a produzir leite em modo de produção biológico e fomos até ao pais Basco (Bilbao e Pamplona) visitar duas vacarias com robôs de ordenha e um laboratório de desenvolvimento de fertilizantes. Um forte nevão impediu o regresso ao Porto pelo caminho mais curto e tivemos de descer até Madrid, entrar por vilar Formoso e descer o IP5 com o autocarro em excesso de velocidade.
Passados dois anos, foi instalado o primeiro robô de ordenha em Portugal. Hoje estão mais de uma centena em funcionamento e as duas marcas que visitámos são as mais vendidas. Não temos “unifeeds coletivos”, mas os carros misturadores automotrizes democratizaram-se. A fertilização de precisão é uma realidade cada vez mais presente e a produção de leite no modo biológico avançou nos últimos anos. O número de produtores tem descido com excesso de velocidade. Em 2004 éramos 18.000 produtores de leite, 12.000 no continente e 4.000 nos Açores, agora somos menos de 4000, metade nos Açores e metade no continente. O facto de termos hoje o pior preço do leite entre os 27 países da Europa explica muita coisa. “Um preço justo para a produção de leite” tem sido o objetivo e a exigência da APROLEP, Associação dos Produtores de Leite de Portugal, nos últimos 11 anos.
A instalação de robôs de ordenha e a aquisição de “unifeeds” automotrizes e outros equipamentos tornou mais confortável o trabalho dos agricultores e produtores de leite. Com esses equipamentos, com a formação que recebemos, com a investigação de nutricionistas, a evolução da genética e com toda a evolução registada, somos hoje mais eficientes e só isso nos permitiu sobreviver à descida do preço do leite. Por outro lado, somos agora atacados por praticar uma agricultura mais intensiva, por causa dos gazes de efeito de estufa libertados pelas vacas, por causa de alegados maus tratos, com imagens manipuladas e de inventados malefícios do leite. Por trás destas queixas está muitas vezes a ideologia animalista que pretende equiparar os animais aos humanos e está o negócio emergente das “alternativas vegetais” processadas, face à tradicional proteína animal natural (carne, leite e ovos). O nosso trabalho, portanto, está mais fácil “fisicamente” e mais difícil “mentalmente”. A resposta necessária é COMUNICAR a agricultura, de forma honesta, direta e permanente.
Indiferentes a tudo isto, as vacas continuam a ruminar, o milho e a erva continuam a crescer e os consumidores continuam a precisar de um agricultor pelo menos três vezes por dia, para se alimentarem. Não admira que ao começar o confinamento tenham corrido aos supermercados e esvaziado as prateleiras a começar pelos produtos de origem animal, na altura em que os aviões pararam, a poluição baixou e as vacas continuaram a ruminar. A vida tem de continuar e a nossa luta também. No trabalho do campo, na vacaria, na rua ou nas “redes sociais”. Carlos Neves
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.