Um dia, apareceu em Alijó um homem simples e despojado, vindo dos lados de Resende ou de Baião, nunca se soube muito bem. Chegou com um cavalo, mas andava sempre apeado, trazendo o animal à rédea. Era baixo, forte e naturalmente sorridente, rindo a cada pergunta que lhe faziam, o que lhe granjeou simpatia geral. Quando lhe perguntaram pelo nome, respondeu que era Mário Soares. Não era, mas foi assim que passou a ser conhecido.
Com uma enxada na mão, era uma máquina, pude testemunhá-lo. Almoçava quase sempre um pão de centeio inteiro, um grande naco de toucinho e meio garrafão de vinho. O que sobrava, bebia-o durante a tarde.
Era um tipo engraçado. A dada altura, cansado das lavras, presumo, vendeu o cavalo e comprou uma concertina. Depois apareceu com uma bicicleta, que trazia sempre pela mão, como fazia com o cavalo.
Embora estivesse destinado a viver e a morrer sem a companhia de uma mulher, de ninguém, na verdade, apaixonava-se com facilidade. Bastava que lhe dessem alguma esperança. Em Alijó, desenvolveu uma grande paixão, nunca correspondida, por uma jovem chamada Carmo. Sem uma foto da sua amada, substituiu-a por uma fotografia de uma actriz conhecida e colou-a numa das paredes da pequena casa onde vivia. À noite, quando bebia acima da conta, pegava na concertina e, cioso do seu amor, virava-se para a foto da sua Carmo e dedicava-lhe uma e outra melodia, que era sempre a mesma: Ó Rita, arredonda a saia, tocada com o mesmo virtuosismo do bardo de Asterix.
Perdi-lhe o rasto quando saí de Alijó. Consta que se mudou para Carrazeda de Ansiães, onde viria a morrer.
Nesse tempo, homens como “Mário Soares”, uns mais quixotescos do que outros, eram os tractoristas de hoje. Eram eles, com os seus cavalos ou os seus machos, que lavravam boa parte das vinhas de montanha do Douro. A partir da década de 80 do século passado, com a mecanização em larga escala da viticultura impulsionada pelo Programa de Desenvolvimento Rural Integrado de Trás-os-Montes (PDRITM), os tractores foram ganhando terreno e o boom dos herbicidas fez o resto, tornando dispensáveis os animais de tracção e a profissão de macheiro, como tantas outras do Douro, uma relíquia do passado sem lugar no livro dos […]
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