Nasci no Norte de Moçambique onde o “Dr. António de Figueiredo Gomes e Sousa, Botânico da Colónia de Moçambique, assistente extraordinário do Instituto Botânico da Universidade de Coimbra, antigo chefe das Missões Botânicas de Angola e Guiné”1 investigou as muitas plantas que fazem parte do meu universo de criança. Aí aprendi a conviver com muitas religiões: animistas, muçulmanos, hindus, católicos, protestantes e provavelmente ateus. Sou por isso quase completamente tolerante em matéria de fé.
Contudo, custa-me a aceitar a moderna invenção dos homens da finança já que consideram natural, e sem interferência humana, a transferência de 10000 milhões de euros para offshores que consideram paraísos fiscais. Também não aceito como natural esta catástrofe em curso que são os incêndios que ocorrem por este Portugal, por onde circulo a uma velocidade moderada, tentando ver a natureza que resta e envolve as estradas. Agradeço por isso a solidariedade dos amigos que do estrangeiro me afirmam a sua preocupação com o que nos acontece, fazendo-nos antever esta tragédia o inferno, que nos espera se não formos capazes de nos arrependermos dos pecados que provocam os incêndios.
O recente holocausto no Colégio de S. Fiel, e de que estou bem próximo quando escrevo este texto, fez-me lembrar o Padre António de Oliveira que por aqui o esteve a organizar e que acreditava que o medo do inferno podia conter “naturalmente” os seres malfazejos, que estão sobrenaturalmente inclinados para o mal ou seja acreditam mais no Deus dinheiro do que no Deus senhor de todas as coisas da Natureza.
Como economista fui sempre acreditando que a sociedade tinha estabilizadores automáticos, que refaziam equilíbrios e nos levavam para caminhos felizes, onde até as vacas eram felizes. Contudo, os homens levados por uma “teoria neoliberal” que vemos ser um logro, criaram o tempo dos incêndios, do terrorismo, da miséria, da emigração sem parança, mostrando como em nenhum lugar conseguimos ser felizes. E sempre porque os homens da finança nos prometem um mundo melhor que piora sempre o nosso devir. Por isso estou convicto que acontece tal coisa por este mundo da finança estar inquinado por uma corrupção que, até, faz parte do seu ADN.
Recordo agora que num livro encontrado numa livraria de Buenos Aires, aprendi que se for um bom economista um dia reencarnarei como físico, sendo assim capaz de encontrar equilíbrios entre forças adversas. Contudo, se for um mau economista, reencarnarei como sociólogo, fazendo isso pensar que todas as perversões são naturais.
É este o inferno de que me quero libertar.
1 Elementos para o Estudo da Flora Lenhosa de
Moçambique, in Boletim da Sociedade de Estudos
da Colónia de Moçambique, Ano I, n.º 2, Março
de 1932, pp. 44-59.