Há algum tempo atrás publiquei um vídeo a mostrar o que comem as nossas vacas, para desmontar a ideia de que a carne e o leite da Europa são produzidas à base de soja das zonas queimadas da Amazónia. Volto ao assunto com imagens dos vários alimentos usados, porque não se viam bem no vídeo e procuro sintetizar e complementar a informação sobre o assunto:
A base da alimentação de todas as vacas leiteiras de todas as vacarias que conheço em Portugal ou no resto da Europa é sempre forragem, plantas quase sempre produzidas nos próprios terrenos junto à vacaria ou comprados a outros agricultores: no meu caso, na minha região, na zona sul da Europa, a base é silagem de milho, (aproveitando toda a planta a partir de 15 com do chão), porque temos temperaturas que permitem um desenvolvimento excepcional do milho; Mais a Norte, na Galiza, no Norte da Europa, nos Açores, a base da alimentação é a erva (azevém, trevos, aveia, luzerna…), em pastoreio direto dos animais ou cortada no campo, transportada para a vacaria e dada imediatamente em verde (como faço às vezes) ou armazenada através da secagem ao sol (feno), desidratada em secadores (sistema raro em Portugal e comum na Espanha ou França) ou fermentada (silagem de erva) em rolos plastificados ou em silos-trincheira (daí vem o nome silagem). Nenhum destes sistemas é mais perfeito, ecológico ou saudável por si próprio, depende das condições de cada um. Basicamente os agricultores, ao longo dos anos, com o apoio dos técnicos, procuraram o sistema mais adaptado às suas condições. Por exemplo, é quase impossível levar os animais a pastar em terrenos no meio de estradas, fábricas e casas e também é quase impossível fazer silagem de milho ou erva na alta montanha ou fazer feno quando chove sempre.
Todas as vacas, todos os bovinos, todos os ruminantes precisam de fibra, por isso usamos as forragens. Mesmo em caso de seca extrema em que tenhamos de recorrer só a ração como nutriente temos de juntar palha para o bom funcionamento digestivo do animal que precisa de alguma fibra para ruminar. No meu caso, 80% da alimentação é forragem (silagem de milho, silagem de erva, palha) e 20% é ração.
Quase todas as vacas comem alguma ração, para equilibrar a forragem de base. Se a base é silagem de milho, os nutricionistas das fábricas de ração complementam com uma ração mais proteica, por exemplo com bagaço de colza ou bagaço de soja. Se a base for erva, as vacas precisam de alguma ração mais energética, com farinha de milho ou sub-produtos do milho (corn gluten, farinha forrageira, etc). Mesmo em pastagem as vacas costumam comer alguma ração, nomeadamente na hora da ordenha. Até no modo de produção biológico comem alguma ração, que é muito mais cara porque tem de ser produzida à base de cereais da agricultura biológica.
As vacas e os restantes ruminantes têm a capacidade de digerir e aproveitar a celulose das plantas e por isso também aproveitar os sub-produtos usados na alimentação humana ou na produção de biocombustíveis. Por isso quase todas as matérias primas que mostro no vídeo e agora com mais detalhe nestas imagens são bagaços, cascas e sêmeas, restos da produção de óleos alimentares, etanol ou biodiesel. As vacas não comem soja, podem comer uma percentagem de bagaço de soja ou casca da soja.
A bem da verdade e da transparência, com dados divulgados pela IACA, Associação Portuguesa dos Industriais de alimentos compostos para animais, só 23% da ração produzida em Portugal é consumida por bovinos (vacas leiteiras e vacas de carne, vitelos e novilhos). Quase metade (44%) é destinada às aves e 22% aos suínos. E dizer isto não é nenhuma crítica aos produtores ou consumidores de ovos ou carne de frango ou de porco (animais monogástricos extremamente eficientes a transformar ração em proteína animal). É só para dizer que é duplamente injusto e falso culpar as vacas por “alegadamente” comerem ração que não comem com produtos que não tem.
#carlosnevesagricultor
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