Um conjunto de 26 personalidades (1) ligadas à Região Demarcada do Douro (RDD) assinam uma carta aberta, com o título “O Douro Merece Melhor” pode ser lida em https://odouromerecemelhor.com/ (neste sítio da internet pode ser assinada publicamente por quem estiver de acordo com o seu teor) e dada à estampa como publicidade nalguns jornais nacionais no dia 12 julho último.
A carta introduz a região e os seus pontos fortes (e.g. “Contém mais de metade das vinhas de montanha à escala global”), fala sobre as vendas, nos últimos 20 anos, em quantidade, no vinhos do Porto desceram 2,5 milhões de caixas de 9 litros para 7,9 milhões de caixas e nos vinhos DOC Douro subiram para 5,2 milhões de caixas (não se percebe concretamente qual o balanço quantitativo entre os dois vinhos, se é positivo ou negativo).
Dizem que a culpa é do quadro regulamentar: “… não teve qualquer alteração, permanecendo, na sua essência, imutável há quase 100 anos. O sistema atual está a promover distorções devastadoras que estão a impactar não só no preço das uvas, mas também na sustentabilidade socioeconómica dos viticultores, das empresas, e no futuro dos seus vinhos nos mercados internacionais”. Querem que as uvas para os vinhos DOC Douro tenham uma limitação legal de classificação semelhante às uvas para vinho do Porto: “Este limite é ajustado anualmente, dependendo de um conjunto de fatores, nomeadamente a qualidade e os níveis de oferta e de procura. Um sistema semelhante é praticado nas mais importantes regiões vitivinícolas europeias”, sendo livre o mercado das uvas para os vinhos DOC Douro.
Mais, os signatários da missiva pública escrevem o seguinte: “Ao longo dos últimos 15 anos, vários estudos realizados por entidades de renome, incluindo a UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), concluíram que o Douro não é sustentável nestas circunstâncias e que necessita de reforma no seu quadro regulamentar. Mas nada foi feito, apesar das promessas do Estado”.
O está em causa na RDD?
-O seu futuro porque quem produz uvas de forma independente, os pequenos e médios viticultores, o maior número de operadores na RDD, não têm sustentabilidade económica, porque o rendimento bruto da venda das uvas (multiplicação da produtividade (é muito baixa, pelo predomínio do sequeiro, solos pouco férteis, esqueléticos, etc. junto com os resultados das alterações climáticas) pelo preço por quilo das uvas) praticamente não suporta os encargos varáveis (no VP o rendimento é um pouco superior aos custos reais e fortemente negativo para as uvas DOC Douro), não há rendimento para suportar os encargos atribuídos, as amortizações. Pelo contrário, já quem tem negócio verticalizado, produção pela mesma entidade de uvas e vinhos, juntando-se-lhes o comércio, consegue sustentabilidade a muito longo prazo, embora nos últimos anos, à medida que o tempo passa, nota-se o abaixamento paulatino nos respetivos resultados positivos;
– As alterações climáticas: o aumento da seca e o incremento da sua extensão no tempo; o excesso de insolação, golpes de sol nas uvas; maior frequência da ocorrência de granizo, etc. colocam em causa a produção de uvas, sobretudo em sequeiro, a grande maioria das vinhas regionais, por acarretar forte quebra na produtividade vitícola;
– Fala-se na RDD que nos primeiros 5 meses de 2023 as vendas de VP e DOC Douro caíram, cada um deles, 5%, facto que historicamente nunca aconteceu, a queda simultânea da procura de ambos os tipos de vinhos de alta qualidade da RDD. Por outro lado, há comercializadores com bons resultados, porque estão a valorizar stocks constituídos no passado à base de custos baixos;
– Vale a pena analisar ao longo dos últimos 10 anos, o fluxo de entradas e saídas de vinhos na RDD e cruzar estes dados com os da produção de vinhos e tirar conclusões sob o estado da arte do stock de vinhos na região, assim como, da racionalidade que justifica a entrada de vinhos, sendo comummente aceite que há “excesso de produção na RDD”, o que acarreta uma pressão por parte da procura, “um aperto de torniquete no preço” para aquisição dos vinhos, grande quantidade de vinhos de qualidade transacionados a preços baixos;
– Há constantemente à venda na distribuição organizada VP e DOC Douro a preços de venda ao público (PVP) que feitas as contas, ao longo da fileira e analisando-a a montante, dentro de algum prazo temporal, se não houver aumento de PVP só terá como resultado o desaparecimento de muitos operadores, agricultores ou vinificadores.
Com base nos pontos de enquadramento do meu artigo anterior, no mínimo, preocupantes, digo que a Região está a viver sobre a linha da catástrofe e a caminho do precipício, o que pretendem os subscritores da missiva, sobre o presente e o futuro da RDD, que conclusões tiram, que ações querem gerar?
Passo a citá-los:
– “O Douro necessita de uma estratégia para o futuro construída numa base científica liderada por uma entidade independente, em consulta com os stakeholders chave da região”.
– “Apelamos aos produtores, aos viticultores, aos comerciantes e respetivas Associações, ao Ministério da Agricultura, à CIM do Douro, e ao Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, para enfrentarem esta situação com urgência. Deveríamos sentir orgulho no Douro, na sua gente e nos seus vinhos, mas atualmente não conseguimos senão sentir frustração e tristeza pelos danos graves e desnecessários que a inércia na alteração do quadro regulamentar e institucional está a provocar”.
Qual a resposta do poder político à situação dramática na RDD?
Através da maioria de esquerda existente na Assembleia da República ir-se-á concluir nos próximos tempos, o processo legislativo para reativar a Casa do Douro (CD), Instituição criada pelo Estado Novo para representar/defender os viticultores durienses e extinta pelo governo de Passos Coelho devido à enorme dívida que tinha acumulada (criou uma Associação Privada, inscrição facultativa, sem dívidas) como Associação Pública (podendo vir a receber o eventual resultado positivo do processo extinção do passivo por contrapartida do anterior ativo da anterior CD) de Inscrição obrigatória para cada viticultor da RDD, com funções públicas: gestão do cadastro vitícola; a distribuição anual do beneficio a cada produtor; promoção dos vinhos da Região; fiscalização da cultura da vinha e da produção do vinho; emissão de parecer prévio obrigatório sobre o comunicado de vindima, quantitativos para VP; pronunciamento sobre os pedidos de autorização para plantação ou abate de vinha da RDD. Desta forma, com a CD e o Instituto dos Vinhos do Porto e Douro (IVDP) o Estado assume toda a gestão vitivinícola da RDD, ao contrário do que acontece nas restantes regiões demarcadas de vinha no Continente, em que tais funções são realizadas por associações privadas interprofissionais, as Comissões Vitivinícolas Regionais.
Para mim, qualquer uma das soluções, pública ou privada, é aceitável, desde que seja eficaz.
Que problemas tem e traz esta solução organizacional pública?
O IVDP tem mais de uma dezena de milhões de euros de taxas, não são receita do Estado, mas a Instituição não tem podido utilizá-las em prol da região, seja na promoção dos vinhos, seja no arranque de vinhas marginais, etc. porque estão cativados no Ministério das Finanças. Tal limitação tira capacidade de liderança efetiva e reconhecida regionalmente ao presidente do IVDP, torna-o um mero gestor administrativo sem prestigio regional, quando deveria ser o verdadeiro líder com todos os poderes e liberdade de decisão, para consubstanciar a resposta das ações estratégicas à complexidade e multiplicidade de problemas que se abatem sobre a vinha e o vinho. Ao avançar e aparecer a CD, esta aporta uma nova complexidade, funcional, pelos novos líderes que faz aparecer no processo e certamente irão querer afirmar-se, administrativa, quer quanto a funções, quer quanto aos limites e fronteiras com as funções e ações do IVDP. Só com muita força política de quem tutela o IVDP e CD, que assegure o desaparecimento das cativações dos fundos do IVDP, junto com perfil de forte bom senso e ação prática, destas 3 personalidades dirigentes (a 3.ª é o presidente da AEVP – Associação de Empresas do Vinho do Porto), é possível acreditar que a solução organizacional pública será liderante e o contributo eficaz para a crise duriense.
O que é preciso fazer com urgência pela RDD?
– Promoção internacional do VP e DOC Douro; Elaborar contas de cultura vitícola e vinícola e torná-las públicas através de campanha de comunicação, tendo como objetivo mostrar que consumir vinhos abaixo determinado PVP está a pôr-se em causa o futuro da região; Promover um manifesto público de adesão voluntária onde os agentes económicos se comprometem a comprar as uvas acima de determinados preços mínimos; Elaborar e implementar programa de apoios financeiros públicos de combate ao stress hídrico da vinha e resposta às alterações climáticas; Promover um programa de adesão voluntária de arranque de vinhas cujas uvas dão origem a vinhos de baixa qualidade; Avançar com programa regional de alternativas culturais à vinha com o objetivo de baixar o risco da monocultura. Melhorar o financiamento de I&D sobretudo no período temporal pós 2026.
Como fazer o que é preciso ser feito?
Deixo aqui a minha proposta de um caminho estratégico, tendo como objetivo conseguir em 5 anos a sustentabilidade da vitivinicultura na Região Demarcada do Douro. 1) Elaboração de um documento base para cada elo da fileira, contendo um diagnóstico e a evolução das condições de produção, dos mercados e da envolvente; 2) Promoção de fóruns de debate; 3) Elaboração de uma proposta com objetivos e eixos estratégicos; 4) Elaboração de documento final. O processo tem que ser claro nos objetivos, garantindo a participação de todos, em paralelo com a elaboração do documento de Plano Estratégico de sustentabilidade vitivinícola para a Região Demarcada do Douro.
(1) (António Filipe; DG Symington: Presidente da AEVP – Associação das Empresas do (Comércio) Vinho do Porto (VP) (e Douro, mais recentemente); António Saraiva: DG Rozès; Presidente do Museu do Douro; Presidente da Liga dos Amigos do Douro Património Mundial; Christian Seely: Comerciante de VP; Cristiano van Zeller: Comerciante de VP; Dirk Niepoort: Niepoort vinhos SA., Douro Boy; Emídio Gomes: Reitor da UTAD; Fernando da Cunha Guedes: Presidente da SOGRAPE; Francisco Spratley Ferreira: Vallado, Douro Boy; Francisco Javier Olazabal Rebelo Valente: Qta do Vale Meão, Douro Boy; João Álvares Ribeiro: Valado; Douro Boy; João Nicolau de Almeida: “Mestre / Senador” dos enólogos do Douro, Qta do Monte Xisto; João Rebelo: Prof. da UTAD jubilado, investigador sobre a RDD; John Graham: Symington; Jorge Dias: Gran Cruz; Jorge Moreira: produtor engarrafador, enólogo na Real Companhia Velha e na Qta de La Rosa; Jorge Rosas: Administrador da Ramos Pinto; Jorge Serôdio Borges: produtor engarrafador, Wine & Soul; Luís Sottomayor: Sogrape; Luísa Amorim: Qta Nova de N. Sra. Do Carmo , Grupo Amorim; Mário Artur Lopes: Presidente CM Murça; Olga Martins: produtora engarrafadora, CEO Lavradores de Feitoria; Óscar Quevedo: Médio / Grande Produtor Engarrafador; Paul Symington: Symington; Pedro Braga: CEO da Sogevinus; Sandra Tavares: produtora engarrafadora, Wine & Soul; Sophia Bergqvist: Owner, Qta de La Rosa. Curiosamente, anoto que na lista de signatários não há ninguém das (poucas) Adegas Cooperativas nem de associações de viticultores…Faltam 2 grandes do Vinho do Porto: Taylor’s Fladgate e Real Companhia Velha; 3 grandes operadores de DOC Douro: Adega de Vila Real; Mateus e Sequeira / Cadão; Caves Vale do Rodo / Porto Réccua Vinhos, SA.).