Nos últimos anos têm se observado por parte dos consumidores uma procura crescente por alimentos sem conservantes, pouco processados e ao mesmo com prazos de validade mais alargados, surgindo assim a necessidade de se encontrar métodos de conservação alternativos. Este facto levou a que a indústria alimentar tenha recorrido a técnicas inovadoras para aumentar o tempo de vida de prateleira dos alimentos, tais como, a irradiação e a embalagem em atmosfera modificadas.
Hoje, existe um forte debate acerca dos aspectos da segurança dos conservantes químicos por serem considerados carcinogénicos, pelo que nas sociedades ocidentais os consumidores tendem a valorizar produtos produtos sem aditivos alimentares sintéticos. Este facto teve como consequência o incentivo à investigação, no sentido de encontrar conservantes alimentares alternativos através da pesquisa de compostos naturais com atividade antimicrobiana.
Desde tempos remotos que as extractos de plantas e as especiarias são conhecidas pela sua actividade antimicrobiana. Tal facto deve-se à capacidade que determinadas moléculas tem de impedir a invasão dos microorganismos, o que constitui um mecanismo de auto-defesa das plantas.
O alho (Allium sativum) é rico em compostos bioativos, dos quais se destaca os sulfurados, que resultam do metabolismo secundário da planta, dos quais se destaca a alicina, que tem a capacidade de inibir determinadas enzimas, o que explica a sua atividade antiviral, antifúngica e antibiótica.
O alho da Graciosa tem qualidades que são muito apreciadas e por isso a sua procura não é só no mercado regional, mas também nacional, onde alguns dos melhores chefes do país procuram o produto, pelo que o desafio passa por aliar as propriedades gastronómicas deste alho às suas propriedades antimicrobianas, no fundo conservar temperando.
Neste sentido testou-se a capacidade do alho “pedras brancas” produzido na ilha Graciosa de inibir o crescimento de Listeria monocytogenes, um microrganismo patogénico capaz de sobreviver e crescer em alimentos à temperatura de refrigeração, o que dificulta o seu controlo. Verificou-se que o alho “pedras brancas” apresentou in vitro uma capacidade de inibição da L. monocytogenes superior à do alho comercial também da variedade Rosa (Figura 1).

Figura 1. Efeito inibitório de extractos aquosos do alho comercial (Variedade espanhola Morado) e alho “pedras brancas” (variedade Rosa). Halos de inibição (mm) resultantes da exposição de L. monocytogenes a 500 mg/ml de alho.
Sabe-se que a quantidade de alicina, a molécula responsável pela atividade antimicrobiana no alho, varia consideravelmente com alguns factores ambientais, sendo que o pH do solo elevado, elevados índices de luz solar e a fraca pluviosidade aumentam a concentração de alicina no alho (Eagling e Sterling, 2000). Sabe-se que o pH do solo da ilha Graciosa é de 6.2 o que corresponde a um pH de solo bastante elevado, além de que a pluviosidade na ilha Graciosa é fraca comparativamente às restantes ilhas dos Açores, condições que favorecem a formação de alicina, o que pode explicar a maior atividade do alho “pedras brancas”.
Os ensaios realizados em carne moída demonstraram que o alho comercial não foi capaz de inibir o crescimento de L. monocytogenes, ao contrário do alho “pedras brancas” cuja capacidade de retardar o crescimento de L. monocytogenes foi bem evidente até ao terceiro dia de refrigeração da carne moída (Figura 2).

Figura 2. Contagem de L. monocytogenes em carne moída à temperatura de refrigeração (controle) e adicionada de alho comercial (100 mg/g de carne), e alho “pedras brancas” (100 mg/g de carne).
Uma vez que nos alimentos, por questões organolépticas, se utilizam concentrações relativamente baixas de alho, foi-se avaliar a capacidade das células de L. monocytogenes de adaptar-se a concentrações subletais de alho, tendo-se verificado que as células de L. monocytogenes crescidas na presença de alho (10 e 40 mg/ml) apresentaram a mesma sensibilidade quando foram sujeitas a 500 mg/ml de alho tanto comercial como “pedras brancas”, pois os raios de inibição observados foram idênticos (Figura 3).
Um dos problemas da utilização de moléculas com atividade antimicrobiana em baixas concentrações é o desenvolvimento por parte dos microrganismos de mecanismos de adaptação a estas moléculas. No entanto, verificou-se que o crescimento de L. monocytogenes na presença de baixas concentrações de alho não promoveu o aparecimento de fenótipos resistentes.

Figura 3. Efeito da pré-adaptação ao alho na resistência da L. monocytogenes. Halos de inibição (mm) resultantes da exposição de L. monocytogenes a 500 mg/ml de alho, em células crescidas sem alho (controle) e na presença de 10 mg/m e 40 mg/ml de alho.
Estes resultados permitem concluir que o alho “pedras brancas” produzido na ilha Graciosa é um excelente candidato a conservante alimentar pois não só tem uma capacidade de inibir o crescimento de L. monocytogenes superior a outro alho da mesma variedade, como quando testado em menor concentração (num modelo alimentar) revelou-se eficaz a retardar o crescimento deste patogénico em carne de porco picada, até ao terceiro dia de refrigeração.
Maria da Graça Silveira
Universidade dos Açores
Publicado na Voz do Campo nº 224 (março 2019)
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