A necessidade de uma ação urgente para proteger os recursos genéticos está em foco na Estratégia dos Recursos Genéticos para a Europa, que acaba de ser lançada. Desenvolvido ao longo de quase três anos, o documento aponta o caminho para a conservação e uso sustentável dos recursos genéticos, fortalecendo a resiliência da agricultura e da silvicultura num contexto de alterações climáticas.
Os recursos genéticos fazem parte da biodiversidade do nosso planeta e são a base para dietas diversificadas, florestas e sistemas de produção agrícola mais resilientes, sendo essenciais para apoiar a bioeconomia circular. A sua importância está em evidência na nova Estratégia dos Recursos Genéticos para a Europa, que apela a uma mudança estrutural das atuais políticas de proteção dos recursos genéticos.
Apesar do seu papel fulcral, tem-se assistido ao declínio destes recursos, disponíveis numa variedade de paisagens, ecossistemas e habitats, incluindo terras agrícolas, florestas, pântanos, bosques e áreas urbanas. A agricultura intensiva, a migração do campo para as cidades, a poluição, as espécies invasoras ou os efeitos das alterações climáticas estão entre os principais fatores sociais, económicos e ambientais que mais têm contribuído para a sua vulnerabilidade.
Lançada no dia 30 de novembro, a nova Estratégia dos Recursos Genéticos para a Europa quer ajudar a contrariar esta tendência e aponta o caminho para a conservação e utilização sustentável dos recursos genéticos, decisivos nas próximas décadas para promover a resiliência dos ecossistemas às várias pressões, sejam os efeitos das alterações climáticas ou as pragas e doenças.
O documento resulta do trabalho do GenRes Bridge, projeto financiado pela União Europeia (UE) no âmbito do Programa-Quadro Horizonte 2020, que decorreu entre janeiro de 2019 e dezembro 2021. A iniciativa, que reuniu 17 parceiros, traçou uma visão estratégica para os recursos genéticos, que permitirá à Europa cumprir os compromissos assumidos no Pacto Ecológico Europeu e outras metas globais, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A Estratégia dos Recursos Genéticos para a Europa foi lançada juntamente com as estratégias específicas para os recursos genéticos das plantas, animais e florestas, elaboradas pelas três redes europeias de recursos genéticos: ECPGR – European Cooperative Programme for Plant Genetic Resources; ERFP – European Regional Focal Point for Animal Genetic Resources e EUFORGEN –European Forest Genetic Resources Programme.
Recomendações para fortalecer os recursos genéticos
A nova Estratégia dos Recursos Genéticos para a Europa apresenta um conjunto de recomendações a nível nacional, europeu e global para reforçar a conservação destes recursos – que podem incluir espécies selvagens ou domesticadas -, diversificar o seu uso e promover a respetiva monitorização:
• Manter e reforçar a conservação dos recursos genéticos
A conservação de recursos genéticos requer intervenções para garantir a manutenção dos processos ecológicos necessários para a preservação das populações in situ (em ecossistemas e habitats naturais e, no caso das espécies domesticadas ou cultivadas, nos locais onde tenham desenvolvido as suas propriedades específicas) e para apoiar a recolha e gestão de amostras populacionais em instalações ex situ (fora dos seus habitats naturais), como bancos de conservação.
Para este fim, é fundamental atualizar regularmente os inventários europeus, assim como preparar e implementar estratégias ou estabelecer sistemas de gestão de qualidade de longo prazo para a conservação dos recursos genéticos relevantes em todos os países (por exemplo, plantas, animais, fungos ou microrganismos).
• Aumentar e diversificar o uso de recursos genéticos
A diversidade genética é crucial, já que permite que os seres vivos e os sistemas tenham capacidade para se adaptar a novas circunstâncias. Este papel está cada vez mais em evidência, face aos efeitos das alterações climáticas. A diversidade permite também novos usos dos sistemas vivos, dos quais dependemos como matéria-prima para alimentação, para a subsistência e a economia e também para os serviços do ecossistema, como a promoção da qualidade da água ou da fertilidade do solo. Para tal, é fundamental ampliar a base genética dos organismos usados na agricultura, pecuária e floresta, através do melhoramento genético das populações existentes, desenvolvimento de novas cultivares e variedades e pela utilização de um maior número de espécies e espécies mais diversificadas.
Para alcançar este objetivo, a estratégia recomenda que se facilite o acesso a recursos genéticos e, em simultâneo, se promovam políticas que estimulem a procura e uso de uma gama de diversidade genética mais ampla por agricultores, criadores, proprietários florestais e outras partes interessadas. Importante será também integrar a conservação e uso de recursos genéticos em objetivos nacionais e planos regionais relacionados com outras políticas relevantes, como a da biodiversidade, agricultura, áreas rurais, florestas, ambiente e adaptação às alterações climáticas.
• Caracterizar os recursos genéticos
A utilização adequada dos recursos genéticos depende em muito da sua caracterização. A disseminação desse conhecimento é fundamental para ampliar e diversificar o uso sustentável dos recursos genéticos, fornecendo as bases para adaptar os nossos sistemas de produção agrícola e florestal aos desafios que se colocam no contexto das alterações climáticas, bem como para dar resposta à procura por parte dos consumidores.
Aumentar a caracterização dos recursos genéticos inventariados, assim como o acesso aos mesmos numa infraestrutura nacional e europeia poderá ser um importante contributo.
• Melhorar a monitorização dos recursos genéticos
Monitorizar a situação dos recursos genéticos é essencial para identificar tendências, alertar para a perda de diversidade genética atempadamente e, ainda, para planear ações com continuidade.
A estratégia sugere um envolvimento crescente na definição de indicadores de diversidade genética aceites internacionalmente que permitam acompanhar o estado e as tendências na conservação e uso de recursos genéticos. O objetivo é avaliar as ameaças e monitorizar as tendências, para promover a conservação a longo prazo de uma ampla base genética e garantir a disponibilidade de património genético, bem como para assegurar a produção de materiais de reprodução com as características e diversidade adequadas às necessidades dos vários sectores.
Reforçar quadro legal
Apesar de existirem políticas globais e instrumentos legislativos que apelam à conservação e uso sustentável dos recursos genéticos – como a Convenção sobre a Diversidade Biológica ou a nova Estratégia da UE para as Florestas – a nova estratégia defende uma revisão da política europeia e dos instrumentos legislativos relacionados ou relevantes para a conservação e uso sustentável dos recursos genéticos. O objetivo é identificar lacunas.
Segundo a estratégia, estes instrumentos devem ser combinados com financiamento seguro e apropriado e reforço da capacidade institucional e humana, de forma a fortalecer as políticas nesta matéria e a fazer cumprir as obrigações relacionadas.
Em simultâneo, é fundamental aumentar a consciência do papel crucial dos recursos genéticos como um serviço do ecossistema, que permite uma agricultura e silvicultura sustentáveis e resilientes e melhorar a colaboração e coordenação entre os intervenientes. O estabelecimento de uma coordenação europeia e de um centro de informação para a conservação e uso sustentável da agricultura e de recursos genéticos é uma das sugestões da nova estratégia.
Pode consultar aqui a Estratégia dos Recursos Genéticos para a Europa.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.