O milho é uma cultura fantástica capaz de produzir 60 toneladas de matéria verde por hectare em pouco mais de 4 meses de cultivo. Durante esses quatro meses, o milho produz mais oxigénio que a mesma área de floresta e os campos de milho verde são a melhor barreira contra incêndios.
Para crescer, o milho precisa de calor, água e nutrientes. Calor não costuma faltar no verão, as nossas terras são férteis pelo trabalho de gerações e água… bem, na primavera cai alguma, mas depois a maioria dos terrenos exige rega.
“Ai como eu gosto da rega!” (para os mais novos, #aicomoeugostodarega), é um desabafo que repito muitas vezes, por causa da montagem das regas, dos canos que rebentam, dos acessórios e engates que enferrujam e apodrecem, das bombas que perdem a água, da nortada que não deixa regar por aspersão, do tempo que se rouba ao descanso, à família ou ao cuidado das vacas para ir mudar regas ou das faturas da EDP que não param de aumentar (já agora, só um aparte, se os chineses vendem tudo mais barato, porque vendem a eletricidade tão cara?). A consolação deste trabalho, além de ver o milho regado e a crescer com qualidade (quando a água chega a tempo) é poder observar e fotografar algumas imagens muito boas (passem no meu facebook a ver). E também dá para refletir e tirar algumas lições de vida, como o caso que passo a contar.
Comecei a cultivar um terreno o ano passado. É uma parcela com 1,5 ha, em declive, tendo a parte de baixo terra fresca e a parte de cima terra fértil mas seca. Levei para lá uma maquina de rega de fabrico artesal, uma “geringonça” conhecida por “biclicleta”, por causa da sistema que a faz mover arrastando uma mangueira flexível como as que usam os bombeiros (preferia usar uma máquina melhor, mas com o preço que recebemos pelo leite nos últimos anos…) Essas mangueiras são mais fáceis de arrumar que os tubos pretos mas são mais caras e degradam-se ao fim de uns anos, começando a surgir furos que aumentam cada vez mais. O ano passado coloquei alguns remendos, foi perdendo água mas lá fui regando. Com mais um ano em cima, os furos aumentaram. E eu, pacientemente, levei fita-cola e fios de fardo para reutilizar e lá passei uma boa meia hora a fazer remendos ao longo da mangueira. E outra meia hora noutro dia. O problema é que a gente tapa num lado e abre noutro. E eu pensei no preço do leite que é baixo e é preciso conter as despesas, adiar os investimentos, e lá deixei a rega com a mangueira furada, mais um mês e já acabava… e perdendo metade da água pelo caminho, a correr para a parte de baixo que nem precisava de rega… até ao dia em que vi o milho à sede e percebi que o jato de água do aspersor já não atingia os metros suficientes para regar todo o terreno… e perdi o amor ao dinheiro, fui à cooperativa e comprei uma mangueira nova…
Em pouco mais de uma hora ficou a mangueira no sítio, foi só trocar os acessórios de engate e bem… a rega ficou completamente diferente. Agora o aspersor atira tão longe que até dá para regar o milho do vizinho (e ele merece, porque me deixa passar pelo terreno dele quando preciso), a água dura muito mais tempo, rego mais depressa toda a parcela, com mais eficiência, pois gasto menos água, menos eletricidade e fica melhor regado o milho. Olhando para isto tudo e juntando com outros números que tive em mãos na mesma altura, fiquei a pensar nos milhões que o consumidor paga pelo leite, pela manteiga, pelos queijos, iogurtes e outros produtos lácteos e no valor que se perde pelo caminho até chegar ao produtor. E nós, produtores, andamos tão ocupados a trabalhar que não tiramos um bocado de tempo para fazer perguntas, para ler relatórios e ver onde estão as fugas de valor… às vezes pode ser um pequeno remendo a resolver a situação, outras vezes pode ser precisa uma mudança geral. Há que tirar tempo, avaliar bem e não ter medo de mudar o que for preciso. //
Este texto é de Agosto de 2017. Lembrei-me dele esta semana quando alguém me contou que teve de comprar uma mangueira nova para a máquina. Permanece atual. Era para escrever outro mas, por causa da rega, ainda não tive tempo 😂
#carlosnevesagricultor
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