O champô sólido dispensa embalagem, as compras a granel viajam em sacos de pano ou frascos e passam-se meses sem ser necessário despejar o lixo, porque Ana Milhazes praticamente não o produz desde que estipulou a meta “zero”.
“Mais do que reciclar, é preciso produzir menos lixo”, defendeu em entrevista à Lusa a ambientalista de 34 anos, que em 2016 fundou o Movimento Lixo Zero em Portugal, dizendo “não” ao plástico e recusando embalagens, pois “o mais sustentável é prolongar a vida útil do que já temos”.
No apartamento onde mora, no Porto, o saco da reciclagem está vazio, os resíduos orgânicos foram para a compostagem, o lixo reduz-se a meia dúzia de autocolantes e etiquetas de tecido sem destino (não são recicláveis), os (poucos) móveis foram feitos a partir de coisas velhas ou retiradas do lixo e a roupa foi trocada ou comprada em segunda mão.
“No fundo, quase deixei de deitar o lixo fora. Ao ecoponto vou de dois em dois meses, mas levo pouquinho”, descreve a ex-gestora de projetos informáticos, explicando que os restos de alimentos, cerca de 70% do lixo antes produzido, são agora entregues a um casal de agricultores que os há de transformar em adubo.
A “grande mudança”, quanto ao plástico, foi passar a comprar a granel: “Trago a quantidade que quero e sem embalagens”, resume.
Para cumprir o objetivo Lixo Zero, cuja página da rede social Facebook conta atualmente com 15 mil “gostos”, Ana trocou ainda os lenços de papel pelos de pano, o algodão em rama por discos de tecido e o plástico da escova de dentes e da garrafa de água por bambu.
Estes e outros elementos compõem o “Kit Zero Waste [desperdício zero]”, que a ativista exibe nas ações de formação ou congressos, como vai acontecer no dia 29, na 3.ª National Geographic Summit, que se realiza no Porto com o tema “Planeta ou Plástico”.
Ana vai participar sessão dedicada a alunos do 5º e 6º ano de todo o país e, embora tenha consciência de que não são as crianças quem paga a fatura de optar pelo mais sustentável na hora de abastecer a despensa, sabe que elas podem ser “muito chatas”.
“Acabam por conseguir transmitir aos pais a mensagem fundamental, que é recusar e reduzir para prevenir a produção de lixo”, assegura.
A ativista admite não existirem “soluções perfeitas”, tentando decidir pela alternativa “menos má”.
“Entre um saco de papel e um de plástico, este dura mais tempo. O problema é que o plástico não se desfaz no ambiente, como o papel”, esclarece.
Para a ativista, o “essencial” é “recusar o descartável” e “prolongar a vida útil dos objetos”, mesmo do vidro, que “é 100% reciclável”.
“Sempre fui bastante preocupada com as questões ambientais, mas muito virada para a parte da reciclagem. Até que um dia olhei para o caixote do lixo e pensei: Como é que uma pessoa preocupada com o Ambiente pode produzir tanto?”, recorda.
Durante cerca de um ano, Ana conjugou este projeto com a carreira de gestora de projeto na área informática, mas despediu-se no fim de 2017, depois de um esgotamento e dois meses de baixa sem melhoras.
Decidiu dedicar-se a tempo inteiro ao Ambiente, somando o dinheiro das ações de formação ao das aulas de yoga, que já dava aos fins de semana, e “dá para viver”.
Em 2011, já tinha começou a “simplificar a vida”, adotando “um estilo de vida minimalista”, que rejeita compras desnecessárias.
“Vivemos numa sociedade de consumo onde tudo parece uma necessidade. Mudar é sair do piloto automático e pensar: realmente preciso ou vou dar utilidade a isto?”, assinala.
Outra “estratégia” para perder vontade de comprar é “contar as horas em que vamos usar determinada coisa ou as que vamos ter de trabalhar para a pagar”.
Naquela altura, Ana começou por fazer uma “limpeza” na roupa, que era viciada em comprar. Encontrou alguma por estrear e outra sem uso, espalhada por “quatro armários”. Reduziu tudo a um.
Da “parte física”, passou para uma “parte mais mental”, afastando “compromissos e pessoas”, negando “perder tempo com fretes”.
“Ao eliminar coisas, abrimos espaço para coisas novas”, observa.
Arrependimentos, nunca teve. Para os evitar existe, ainda hoje, a “caixa das dúvidas”, onde os objetos alvo de hesitação ficam guardados durante um ano.
“Se, passado esse tempo, nunca tive necessidade de ir lá, dou a caixa sem sequer abrir e olhar”, assegura.