A vinhaça é um dos subprodutos dos engenhos, produtores de aguardente. Em média, por cada litro de aguardente produzido são obtidos entre 10 e 15 litros de vinhaça. Este resíduo é composto por água, matéria orgânica, potássio, cálcio, magnésio, enxofre e azoto, além de açúcares e outros elementos como sais minerais. Possui um pH baixo entre 3,5 e 5,0.
A utilização da vinhaça como biofertilizante, além das vantagens económicas e ecológicas, permite a reutilização de um resíduo que seria descartado, contribuindo para uma maior sustentabilidade.
Nesse sentido, a Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DRA), através da Divisão da Inovação Agroalimentar (DIA) e da Divisão de Mercados Agrícolas (DMA), da Direção de Serviços de Mercados e Logística (DSML), em colaboração com a Direção Regional do Ambiente e Alterações Climáticas, elaboraram um protocolo para a realização de vários ensaios, de modo a avaliar os potenciais usos agrícolas da vinhaça.
Assim, foram realizados os seguintes ensaios:
– avaliação da validade da vinhaça em diferentes condições de armazenamento;
– processo de obtenção de resíduo seco a partir da evaporação de vinhaça concentrada e;
– avaliação da eficácia do uso de vinhaça como biofertilizante, inseticida e anti-abrolhante.
1 – Avaliação da eficácia da utilização da vinhaça concentrada (VC), diluída (VD) e desidratada (VDI) como biofertilizante em bananeiras
Para o efeito, foram utilizadas bananeiras em vaso, em condições de viveiro, com as seguintes repetições por tratamento:
– Vinhaça concentrada (VC): vasos VC1, VC2, VC3, VC4, VC5, VC6, VC7, VC8 e VC9;
– Vinhaça diluída (VD): vasos VD1, VD2, VD3, VD4, VD5, VD6, VD7, VD8 e VD9;
– Vinhaça desidratada (VDI): vasos VDI1, VDI2, VDI3, VDI4 e VDI5 VDI6 VDI7 VDI8 e VDI9;
– Água – Controlo (C): vasos CT1, CT2, CT3, CT4 e CT5.
Cada vaso foi irrigado consoante as diferentes modalidades de biofertilizante (VC, VDI e VD), uma vez a cada oito dias, alternando com água, exceto o de controlo, regado apenas com água. Os parâmetros avaliados foram o número de folhas e a altura da planta. A monitorização foi realizada semanalmente. Os dados obtidos foram registados e analisados.
Foi selecionado um vaso por concentração de biofertilizante para ser fotografado, no início e no fim do ensaio, a fim de verificar eventuais diferenças (figura 1).
No gráfico 1, encontram-se os valores médios relativos à variação da altura da bananeira (em cm) consoante as diferentes aplicações: controlo (C), vinhaça diluída (VD), vinhaça desidratada (VDI) e vinhaça concentrada (VDI) ao longo do tempo de ensaio:
No gráfico 2, encontram-se os valores médios relativos ao número de folhas por bananeira consoante as diferentes aplicações: controlo (C), vinhaça diluída (VD), vinhaça desidratada (VDI) e vinhaça concentrada (VDI) ao longo do tempo de ensaio:
A análise estatística dos dados obtidos permitiu concluir a existência de diferenças significativas na comparação do número de folhas nas quatro modalidades: controlo, vinhaça desidratada, vinhaça diluída e vinhaça concentrada.
2 – Avaliação da vinhaça no controlo do gorgulho da bananeira (Cosmopolites sordidus)
Pretendeu-se avaliar a eficácia da vinhaça como agente de controlo biológico do gorgulho da bananeira Cosmopolites sordidus, em ambiente controlado (condições laboratoriais). Assim, foram colocadas três caixas por modalidade (cinco gorgulhos em cada caixa) (figura 2).
Cada uma das caixas, contendo material vegetal de bananeira, foi coberta com rede e o material vegetal foi pulverizado com: vinhaça concentrada – baldes VC1, VC2 e VC3; vinhaça diluída – baldes VD1, VD2 e VD3 e; água – caixa controlo.
A monitorização foi realizada semanalmente, de modo a registar a mortalidade e manter a humidade nos baldes. Foi repetida a aplicação da vinhaça, no entanto, não se verificou mortalidade nos gorgulhos.
3 – Eficácia da utilização do resíduo seco da vinhaça como anti-abrolhante, na batata em conservação
No CAPRA, foram selecionadas caixas, com um peso aproximado de 30kg de batata, da mesma variedade por caixa, proveniente do mesmo produtor, após o período de cura (encascamento). O resíduo seco, obtido da desidratação da vinhaça e após ter sido moído, foi aplicado em cada uma das caixas, nas seguintes proporções: 0 g/caixa controlo; 15g/caixa; 30g/caixa e 60g/caixa.
As caixas foram conservadas em câmara frigorífica no CAPRA, à temperatura de 8 º C. A monitorização foi feita quinzenalmente, durante 4 meses.
Nas figuras 3 e 4 pode ser observado o aspeto final da batata em conservação sujeita à aplicação de 15g, 30g, 60g e Controlo (sem aplicação de resíduo), respetivamente.
Apenas se verificou uma diminuição do abrolhamento com a aplicação de 15g de resíduo seco, em relação ao Controlo. As aplicações de 30 g e 60 g de resíduo seco não proporcionaram uma diminuição de abrolhamento, além de conferirem um aspeto desagradável (com fungos e coloração escura) à batata de conservação, pelo que se desaconselha a sua utilização.
CONCLUSÕES GERAIS
Relativamente à avaliação da eficácia da utilização da vinhaça concentrada (VC), diluída (VD) e desidratada (VS) como biofertilizante, no que diz respeito ao número de folhas e altura da planta, após tratamento estatístico, concluiu-se a existência de diferenças significativas na comparação do número de folhas nos quatro tratamentos.
Na modalidade de vinhaça diluída, verificou-se um maior crescimento das plantas. No entanto, as bananeiras emitiram mais folhas na aplicação da vinhaça desidratada. De forma a comprovar estes resultados, propõe-se a continuação deste ensaio em condições de campo.
Em relação à avaliação da vinhaça no controlo biológico do gorgulho da bananeira, verificou-se que a aplicação desta não produz mortalidade nesta praga.
No que diz respeito ao efeito anti-abrolhante na batata em conservação do resíduo seco, obtido da evaporação da vinhaça, apenas foi verificada uma diminuição do abrolhamento com a aplicação de 15 g de resíduo seco de vinhaça, em relação ao Controlo. As restantes aplicações de resíduo seco (30g e 60g) não proporcionaram uma diminuição de abrolhamento, além de conferirem um aspeto desagradável (com fungos e coloração escura) à batata de conservação, pelo que se desaconselha a sua utilização.
Podemos concluir que a vinhaça diluída pode, com efeitos muito positivos para a planta, ser aplicada como biofertilizante, diretamente quando sai do engenho ou ao longo do ano e/ou se for armazenada, permitindo assim uma redução de custos com fertilizantes químicos e uma valorização deste produto no âmbito da economia circular.
Natália Silva
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural
O artigo foi publicado originalmente em DICAs.
Madeira: As potenciais utilizações agrícolas da vinhaça – parte I