Como agricultor, tive muito gosto em receber alguns peregrinos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) na minha vacaria e mostrar como cultivamos a terra e criamos os animais para produzir os alimentos. Tive ainda mais gosto em dar a provar ao Anton, ao Michall, ao Martim e ao Lazlo “os frutos da terra e do trabalho do Homem”, os legumes do nosso quintal, o leite-creme feito com leite das nossas vacas, a carne e diferentes vinhos e doces de diferentes regiões do nosso Portugal, um país tão pequeno, mas com uma gastronomia tão rica e variada. E tive ainda a felicidade de ver que por esse país muitos colegas agricultores, nomeadamente os que me são mais próximos, os produtores de leite, receberem a visita de grupos de peregrinos, sinal da sua capacidade de acolhimento, mas sobretudo sinal da sua integração social e do respeito que merecem na comunidade em que os responsáveis entenderam que os agricultores faziam parte do melhor que tinham para mostrar!
Como cidadão, vejo como muito positivas esta JMJ. Proporcionar a jovens de todo o mundo a hipótese de se reunirem, conhecerem um novo país e conviverem como irmãos num espírito positivo, de festa, de esperança e a alegria, é valioso para a sua formação e um contributo prático para haver mais tolerância, menos xenofobia (medo do estrangeiro) e menos racismo.
As pré-jornadas, que decorreram na semana passada, levaram a JMJ a todo o país e a todas as famílias que quiseram e puderam receber peregrinos nas suas casas, nas suas comunidades, nas suas escolas e pavilhões. Acho que foi um exemplo fantástico de “descentralização” que outros eventos não tiveram e que levaram alegria e esperança a muita gente. Fui testemunha disso.
Os portugueses são bons a receber e, se tudo correr bem como esperamos, será bom para o turismo e para o futuro do país e estou convencido que, além da experiência social o investimento económico terá resultado positivo, para além dos novos espaços em Lisboa, Loures e Oeiras que ficam para toda a população desfrutar.
Como crente, católico praticante, mas nesta altura sem responsabilidades na igreja, tenho vivido esta jornada “por dentro”, desde que fui convidado para o COP, Comité Organizacional Paroquial. Eu nunca participei nas anteriores JMJ, mas desde que aos 15 anos participei num curso de animadores da Ação Católica Rural, fundei e fui animador do grupo de jovens na paróquia, membro da Equipa Diocesana e Nacional da ACR e organizei dezenas de encontros, campos de férias e por exemplo a participação do grupo na Expo 98. Sei o espírito que se vive nestas atividades.
Estive no grupo como um “soldado raso” que é convocado para voltar ao ativo, voluntariamente, como todos os outros elementos, como milhares de elementos em todo o país, ao nível de paróquias, vigararias (regiões equivalentes aos concelhos, dentro da Igreja Católica), dioceses e organização central da JMJ. Só assim se consegue proporcionar aos jovens estadia, alimentação, viagens e atividades numa semana pelo preço que uma família paga por uma noite num quarto de hotel. Digo isto porque leio comentários que revelam muito desconhecimento, pois há quem pense que as famílias receberam dinheiro para acolher os peregrinos.
Ao longo deste ano em que dei o meu pequeno contributo para a participação dos nossos jovens e para acolher os peregrinos de outros países, assisti em silêncio a muitos ataques, muitas críticas, muita raiva expressa contra a Igreja e a JMJ. Fiquei triste. Não venho aqui responder “olho por olho, dente por dente”, como no tempo do antigo testamento que ainda é realidade na Terra Santa. Também não venho aqui “dar a outra face”, nem tenho paciência de santo para responder sempre com amor a quem tiver demasiado tempo livre e quiser discutir comigo religião. Respeito a liberdade de todos, a liberdade de acreditar em Deus e procurá-lo na religião que escolher, a liberdade de ter dúvidas ou de não acreditar. Não venho aqui tentar converter ninguém à força. Venho apenas, excecionalmente, partilhar aquilo que conheço, aquilo que sinto e aquilo que vivo.
A Igreja é um barco enorme, com muita gente, com conservadores e progressistas, novos e velhos, mais radicais ou mais moderados, mais praticantes ou mais ausentes. Tem um lado lunar, tem gente que cometeu erros como a pedofilia e tem muitos outros defeitos mais ou menos graves. Tem também um lado brilhante que aquece a alma como o sol, gente fantástica, generosa, que todos os dias procura seguir o ensinamento de Jesus e amar o próximo, rezar por todos, perdoar e ajudar os que mais precisam, nomeadamente os mais velhos e doente. Gente que não é perfeita, que também cai mas procura levantar-se e ser melhor. Os jovens da JMJ são expressão desse lado luminoso da Igreja.
Que este seja um tempo de encontro, tolerância, amor e descoberta de uma igreja positiva. Bem-vindos aos peregrinos, e boa JMJ para todos, mesmo para os que assistem de fora a este evento único no nosso país.
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.