A indústria do pinhão de Alcácer ressente-se da escassez de matéria-prima e da inflação. Porém, há quem continue a trabalhar para manter este fruto-semente no mercado. E não falta quem lhe dê bom uso.
Quando se fala de pinhão, é primordial estabelecer a distinção entre o miolo de pinhão nacional ou mediterrânico, obtido a partir da semente da pinha, fruto do pinheiro-manso (Pinus pinea), e o miolo de pinhão asiático que, apesar do aspecto semelhante, tem origem noutra espécie de pinheiro (Pinus gerardiana) e não tem comparação, quimicamente falando, com o primeiro, muito menos gordo e mais rico em proteína e sais minerais, além de produzir um aroma e um paladar capazes de situar o seu consumidor na sombra de um pinhal como os que abundam na região de Alcácer do Sal – uma abundância que não só justifica a alcunha “Solar do Pinheiro-Manso” como fez que ali fosse surgindo, ao longo de décadas, uma indústria dedicada à extracção e tratamento do miolo de pinhão.
Estabelecida a distinção, é tempo de partir à descoberta dessa indústria que, diga-se, já foi bem mais prolífica. Em Alcácer, são apenas duas as fábricas que resistem à escassez de pinha e aos elevados custos da matéria-prima. A Pinhãosado é uma delas. Apesar de não se encontrar a laborar nesta época, António Romão faz-nos as honras da casa. Há cerca de 30 anos, herdou o negócio do sogro, que construiu toda a maquinaria que ainda hoje compõe a linha de descasque de pinhão. “Tudo o que está aí de ferro foi feito por ele. Era um grande serralheiro civil.”
António vai fazendo os possíveis para manter a Pinhãosado em actividade. “Vou mantendo, mas só enquanto conseguir ter um produto de qualidade.” Os desafios são muitos: a falta de pinha, a falta de consumidores dispostos a pagar o preço do pinhão e o facto de o mercado estar inundado de produto estrangeiro, mais barato — não só o pinhão asiático, mas também o pinhão turco, mais semelhante ao mediterrânico. “Tenho clientes que, no ano passado, compraram desse, por ser mais barato, e depois ligaram-me a pedir que levasse uns sacos do meu, que o cheiro e o sabor não eram a mesma coisa.”
Nesta altura, a Pinhãosado vende, sobretudo, para clientes da região: pastelarias, restaurantes e alguns supermercados e pontos de venda. António tentou colocar o produto na Makro, em tempos, mas disseram-lhe que apesar de a “qualidade ser excelente e o preço também”, o facto de trabalhar apenas pinhão era um obstáculo a que se tornasse fornecedor.
É o mesmo obstáculo sentido por Miguel Figueiredo da PineFlavour, fábrica do vizinho concelho de Grândola, quando tenta trabalhar directamente com a grande distribuição e assim “cortar um interveniente que, na prática, é quase especulador, a indústria do embalamento: compra a granel barato, embala e vende caro”. “Não querem ter um fornecedor só para um produto, ainda por cima sazonal, falta-lhes vontade. Mas não percebem que essa falta de vontade causa um impacto astronómico no sector em si.”
O processo de transformação
Ao contrário das suas congéneres de Alcácer, a PineFlavour não tem décadas de história. O primeiro lote de pinhão ali produzido data apenas de Novembro de 2016. O projecto é responsabilidade de Miguel Figueiredo e Pedro Amorim, ambos com 37 anos e formações distintas, respectivamente em Gestão e Engenharia Civil. Não tinham qualquer conhecimento na matéria, mas a tese de doutoramento da mãe de Pedro, dedicada à fileira do pinheiro-manso, fê-los despertar para esta oportunidade. “Percebemos que Portugal tinha uma produção muito interessante de pinha, mas pouca transformação. Exportava-se a matéria-prima em bruto.”
A visita a algumas fábricas em Espanha, onde Miguel elogia o associativismo que afirma faltar deste lado da fronteira, ajudou-os a planear a sua, que […]