Senhor Ministro da Agricultura das Florestas e do Desenvolvimento Rural, de Portugal, senhores Ministros e representantes dos Governos da CPLP, senhor Director Geral da FAO e senhor representante da FAO para Portugal e países da CPLP, senhora Secretária Executiva da CPLP, Sra. Comissária da União Africana, senhores Embaixadores, estimados convidados que com o vosso saber enriqueceram esta iniciativa, caros colegas do Mecanismo das Universidades, do Mecanismo do Sector Privado e da Federação Minha Terra, caros colegas do Mecanismo da Sociedade Civil e, como os últimos são os primeiros, estimados companheiros da Plataforma Camponesa da CPLP.
Pertencendo à Confederação Nacional da Agricultura – CNA, de Portugal, agradeço aos companheiros da Plataforma Camponesa e ao Mecanismo da Sociedade Civil da CPLP, a honra e o privilégio de, em seu nome, intervir neste importante e significativo acto.
Alarga-se a consciência colectiva de que, como seres vivos, não podemos prescindir de ar, água e alimento.
Vai aumentando a consciência colectiva da necessidade de um novo rumo na produção de alimentos, assente na Agricultura Familiar.
Durante 14.000 anos, os camponeses produziram alimentos para si e para as suas comunidades.
Mas, nos últimos 150, 200 anos, com a descoberta da máquina a vapor, com o desenvolvimento das relações de produção capitalistas, mas principalmente com a necessidade de dar resposta às necessidades de uma economia de guerra, nomeadamente a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais e as numerosas guerras regionais que se sucedem, com descobertas científicas e inovações tecnológicas, com a penetração de capital externo, nomeadamente o financeiro, o modo de produção e, consequentemente, a estrutura agrária têm sofrido profundas e desastrosas alterações.
A função social da terra, que é produzir alimentos, a produção de proximidade, diversificada e soberana, assente na produção da Agricultura Familiar, com que cada povo procurava autoabastecer-se, foi afrontada por interesses que lhe são estranhos, os interesses e a voracidade predadora do agronegócio das cada vez mais concentradas multinacionais da indústria a montante e a jusante da produção e da grande distribuição.
Com políticas suportadas e impulsionadas por muitos governos por esse mundo fora, sempre com o argumento de eliminar a fome, a verdade é que a fome e a subnutrição persistem e correm o risco de aumentar.
Com produtos cotados em Bolsa, com os mercados de futuro que condicionam o que se pode comer, com a produção comandada pelas multinacionais das sementes, com as sementes transgénicas, com a produção intensiva e super intensiva, com a utilização da terra para outros fins que não o de alimentar os povos, com as gigantes monoculturas e com a produção deslocalizada, milhões de famílias agrícolas têm sido espoliadas das suas terras.
Tal situação também se tem verificado nos nossos países.
Em Portugal, a Confederação Nacional da Agricultura – CNA, a que pertenço, desde há 40 anos desenvolve a sua actividade lutando por uma vida melhor nos campos, em que os agricultores possam viver dignamente do seu trabalho.
E do que precisamos, do que precisa a Agricultura Familiar da CPLP e de todo o mundo, pode resumir-se em muito poucas palavras:
Direito à terra que trabalhamos, direito a usar as nossas sementes e preços justos para os nossos produtos.
Foi naquele quadro negro para quem vive do seu trabalho no campo, que em 2014, o Ano Internacional da Agricultura Familiar, no 7º Congresso, a CNA aprovou a sua proposta de Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa.
Foram precisos três anos, para o governo decidir criar um decreto-lei que consagre o Estatuto da Agricultura Familiar que, esperamos, corresponda às propostas e anseios dos agricultores e das agricultoras familiares portugueses.
Porque consideramos de fundamental importância dotar a Agricultura Familiar, os Camponeses e outras pessoas do Mundo Rural, de instrumentos legais que reconheçam a sua importância e os defendam, integrados na Via Campesina, temos tido participação activa na construção da Declaração dos Direitos dos Camponeses, em elaboração na Comissão dos Direitos Humanos da ONU, sob a condução da embaixadora Nardi Suxo, que connosco partilhou esta importante iniciativa e, esperamos que, com a continuidade do seu empenho na coordenação do Grupo de Trabalho, venha a ser aprovada ainda este ano.
De igual modo, seremos parte activa na Década da Agricultura Familiar, considerando esta uma oportunidade ímpar para assegurar a troca de experiências e conhecimentos entre diferentes regiões na construção participativa de políticas públicas para a agricultura familiar.
Consideramos importante o papel que Portugal poderá e deverá assumir na cena internacional, para o avanço de uma agenda em prol da Agricultura Familiar.
No nosso plano, no âmbito da CPLP, reputamos de grande importância a aprovação em Julho passado, das Directrizes para o apoio e promoção da Agricultura Familiar nos Estados-Membros da CPLP, linhas mestras que vinculam os nossos países em todo o trabalho futuro.
Nos dois últimos dias e na sua preparação, o Mecanismo da Sociedade Civil e a Plataforma Camponesa empenharam-se afincadamente nos debates que conduziram à Carta de Lisboa pela Valorização da Agricultura Familiar.
Todo o processo de preparação desta reunião e de construção da carta deixam claro que os processos participativos que o CONSAN admite como essenciais, necessitam de tempo e espaço para o diálogo sobre os entendimentos que cada um dos actores e participantes tem sobre a Agricultura Familiar.
Centrada nalgumas das Directrizes, a Carta aponta prioridades que, num debate que pretendemos construtivo, urge concretizar, sem secundarizar outras Directrizes como o Direito à Terra, o Direito às Sementes, o Direito pela justa recompensa do nosso trabalho.
Valorizamos a singularidade desta Carta e o papel pioneiro dos países membros da CPLP na construção de um quadro institucional para a segurança alimentar e nutricional e instrumentos nacionais para agricultura familiar, nomeadamente:
- construção de enquadramento legal para a agricultura familiar e cadastros;
- reconhecimento da importância da criação e reforço dos conselhos nacionais de segurança alimentar e nutricional;
- apoio à organização da produção da agricultura familiar, de modo a satisfazer o consumo de proximidade e o abastecimento público;
- compromisso em criar o centro regional de competências em agricultura sustentável, em São Tomé e Príncipe;
- apoio à preservação activa dos sistemas agrícolas tradicionais, através do estímulo de processos de candidatura a reconhecimento de sistemas importantes património agrícola mundial, nos países da CPLP.
Contamos com as diferentes instituições aqui presentes, muito particularmente com a FAO, para apoiar estes processos com toda a brevidade, através de um projecto específico.
Estes resultados enumerados atrás surgiram de um processo de trabalho conjunto que valorizamos, mas, não obstante, outros pontos ficam por cumprir e que consideramos serem da maior importância. Em particular, o reforço claro do compromisso dos diferentes actores nos processos de monitoramento da ESAN-CPLP, partilhando os resultados alcançados pelos estados membros no que respeita os eixos da estratégia, nomeadamente o eixo 3, de promoção da Agricultura Familiar.
Consideramos fundamental que esta Carta de Lisboa conquistada seja levada à próxima reunião do CONSAN-CPLP, cuja organização deverá envolver o governo de Cabo Verde, o Secretariado Executivo da CPLP, a FAO, em particular o escritório junto à CPLP e os diferentes mecanismos de participação social, em especial a sociedade civil.
A sociedade civil da CPLP está disponível e interessada em participar neste processo de monitoramento, cujos resultados, esperamos, possam ser partilhados na próxima sessão do CONSAN-CPLP (Julho, Cabo Verde) e do Comité Mundial para a Segurança Alimentar (Outubro, Roma). Convidamos todos os presentes a participarem numa discussão esta tarde sobre esta temática, organizada pelo MSC-CONSAN.
Minhas senhoras e meus senhores,
A vida dos camponeses, da Agricultura Familiar, nunca foi fácil.
Estamos habituados a desbravar terrenos, a afastar os escolhos. O caminho que iniciámos com a construção e a aprovação das directrizes foi o primeiro passo de um caminho que queremos que não seja demasiado longo.
A aprovação desta carta foi mais um passo neste percurso.
Para bem da agricultura familiar, e dos nossos povos, o Mecanismos para a facilitação da sociedade civil no CONSAN e a Plataforma de Camponeses da CPLP continuarão vigilantes, empenhados na colaboração para a construção de um futuro onde a função de alimentar o mundo seja um trabalho dignificado.
Alfredo Campos, membro da Direcção da Confederação Nacional da Agricultura – CNA, em representação do MSC e da Plataforma Camponesa da CPLP