Em dezembro de 2019, o Tribunal de Contas apresentou um relatório bastante critico sobre o incumprimento da limpeza das florestas por parte das autarquias que criticava a inexistência de Planos Municipais de Defesa da Floresta contra Incêndios em muitos concelhos e apontava o dedo à falta de fiscalização do Governo e à ausência de sanções. No fundo, dizia que o Governo tinha imposto regras cujo cumprimento era duvidoso.
O tom duro surpreendeu os mais distraídos, mas o Tribunal de Contas dizia o óbvio: “o facto de existirem Planos Municipais de Defesa das Florestas, não garante, por si só, a defesa das mesmas”, pois de pouco vale aprovar estes Planos se a sua implementação não for fiscalizada e garantida a execução dos trabalhos de gestão do combustível.
De imediato veio o Governo, através do ministro da Administração Interna, acusar este órgão de Justiça de estar “desatualizado”. Do alto da sua habitual arrogância e soberba, Cabrita investiu novamente acrescentando que “felizmente o Governo não ficou à espera do Tribunal de Contas para alterar a lei”. Questionado pelos jornalistas, o MAI bateu no peito e acrescentou que já tinham sido “aplicadas sanções pela primeira vez a concelhos que não tinham cumprido as regras de proteção da floresta contra incêndios”. Segundo os dados então revelados, 90% dos concelhos já tinham os tais planos.
Estranhando a resposta de Eduardo Cabrita, um conjunto de Deputados do PSD, onde me incluo, questionaram o MAI através de uma Pergunta Parlamentar para aferir da veracidade da sua resposta e saber quais os municípios sancionados. Apesar do Governo ter 30 dias para responder, Eduardo Cabrita respondeu que essa pergunta deveria ser colocada à sua colega da Administração Pública. Tendo em conta que as declarações eram suas, estranhámos mas enviámos a mesma questão a Alexandra Leitão. Entretanto, surgiu a oportunidade de confrontar a Associação Nacional de Municípios Portugueses em Comissão Parlamentar que disse não ter conhecimento de qualquer sanção a municípios por estas razões.
A resposta chegou ontem, fora de tempo é verdade (o Governo tem 30 dias para responder) mas foi sincera. A ministra da Administração Pública é claríssima e desmente categoricamente a “narrativa” que o colega da Administração Interna fez passar junto da imprensa. Relativamente à realização de trabalhos de gestão de combustíveis “esta área governativa e a DGAL não rececionaram, até esta data, qualquer informação das autoridades competentes”, (…) “motivo pelo qual não foi efetuada a avaliação prevista no nº 3, do artigo 163º da Lei 71/2018”. Ou seja, não houve qualquer sanção para os municípios que não procederam à limpeza de terrenos e à “gestão do combustível”. Houve sim sanções para três Municípios (Odivelas, Peniche e Paços de Ferreira) por não terem aprovado os respetivos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Mais uma vez, questionado sobre alhos, Cabrita respondeu sobre bugalhos e enganou os mais distraídos.
Nessa reação intempestiva Eduardo Cabrita só disse duas verdades: a realidade em 2019 é diferente de 2017 e algumas coisas já foram resolvidas; atualmente quase todos os municípios têm o tal Plano. No seu estilo habitual manipulou a resposta e fugiu à principal crítica do Tribunal de Contas: não há fiscalização sobre o cumprimento destas obrigações de limpeza.
Infelizmente o principal problema mantém-se, pois, o Governo anuncia medidas que raramente chegam ao terreno e que não são verificadas. De que serve ter um Plano aprovado no papel se ele na realidade não existe no terreno? A administração pública portuguesa está cheia de situações e burocracias como esta, parece ser mais importante ter um plano de limpeza do que fazer a limpeza e parece ser mais relevante ostentar um powerpoint e um conjunto de narrativas e números de circo do que implementar de facto as medidas no terreno. É o tempo mediático, é o tempo em que parece ser mais importante distribuir merchandising tipo “golas inflamáveis” do que proteger de facto as pessoas.
Apesar dos recorrentes anúncios do Governo, a verdade é que com os meios ao dispor era impossível cumprir ambas as missões: implementar todos os planos e fiscalizar. O MAI procurou ao máximo omitir esta realidade e não deu ao ICNF os meios necessários para o fazer. Talvez a estratégia fosse mesmo iludir os portugueses e transmitir uma sensação de segurança (esta parte impede-me de esquecer a resposta de uma antiga autarca que é hoje ministra, que confrontada com a falta de água nas bocas de incêndio de determinada urbanização do seu concelho respondeu, em plena Assembleia Municipal, que a ideia era transmitir “uma sensação de segurança às pessoas”).
Se alguns membros deste Governo merecessem o mesmo escrutínio que é feito a outros políticos por esse mundo fora, durariam pouco tempo em funções tal é a distância entre o que dizem e a realidade. Todo este enredo fez-me lembrar a peça de Almeida Garrett.