É nesta pausa, entre o frio e as folhas caídas, que repenso o que passou e ganho coragem para o que aí vem. E a inteligência artificial e os modelos preditivos estão a mudar a forma como analisamos e gerimos a cultura
Fim do ano. Tempo de colheitas — e de balanços. Tempo de regenerar esperanças.
Para quase todos, o ano novo começa em janeiro, quando o calendário vira. Para outros, começa em setembro, com o regresso às aulas e rotinas. Para mim, agricultor de culturas permanentes de folha caduca, o novo ano começa agora, quando as árvores adormecem. É nesta pausa, entre o frio e as folhas caídas, que repenso o que passou e ganho coragem para o que aí vem.
O balanço deste ano, no entanto, não é animador. As culturas permanentes, no geral, sofreram com uma sequência de fenómenos adversos: chuvas intensas durante a floração da amendoeira, temperaturas elevadas no olival e, na vinha, os estragos que todos vimos. As estimativas mais recentes do Balanço de Campanha da Portugal Nuts apontam para uma quebra de 25% a 70% na produção de amêndoa, dependendo da região. E mesmo com preços mais valorizados, a verdade é que a colheita foi fraca.
Nos dois anos anteriores já tínhamos sentido o mesmo: falta de horas de frio e excesso de humidade, um cocktail perigoso que trouxe doenças e perdas sérias de produtividade. E eu falo com o peso de quem também é produtor — também eu vou ter de arrancar amendoal.
A cultura da amêndoa é ainda jovem neste modelo moderno e intensivo da Península Ibérica. Há cerca de 15 anos, sobretudo na zona de regadio de Alqueva e noutros regadios do sul, assistimos a um verdadeiro despertar da fileira, com plantações em solos férteis e acesso à água. Inspirámo-nos no modelo americano, mas o que nasceu por cá foi um híbrido: variedades diferentes, modelos distintos de plantação e um certo experimentalismo que nos custou caro.
Houve erros, houve aprendizagem. Descobrimos que algumas variedades são demasiado sensíveis a doenças; outras alternam produções imprevisíveis.
Mas esta curva de aprendizagem era inevitável — tal como aconteceu com o olival. Hoje, conhecemos melhor as variedades, as zonas de maior adaptação e as exigências técnicas de uma cultura que não perdoa descuido.
E, ainda assim, há um elefante na sala. Mais cedo ou mais tarde, teremos de o enfrentar. É preciso avaliar, com frieza e verdade, se temos as variedades certas e se os nossos pomares estão realmente sãos. Em alguns casos, será inevitável fazer escolhas difíceis, reestruturar plantações, arrancar e começar de novo. Só assim poderemos garantir o futuro de uma fileira que tem potencial, mas também fragilidades.
Apesar de tudo, a cultura da amendoeira continua a dar-nos motivos para acreditar. Temos uma estrutura de custos competitiva, se melhorarmos a produtividade; fazemos parte de um dos maiores mercados consumidores do mundo — o europeu — e há uma procura crescente por alimentos saudáveis, como reconhecidamente este fruto seco é.
E, mais importante, a inovação começa a dar sinais promissores num futuro não muito distante: tecnologias como o mRNA, que revolucionaram o desenvolvimento de vacinas, prometem agora transformar o mercado dos produtos fitofarmacêuticos, abrindo caminho a soluções mais específicas e sustentáveis.
No imediato, na Universidade de Évora, há já projetos que nos dão instrumentos para detetar a presença e carga de inóculo de doenças problemáticas com precisão inédita, permitindo também calendários de tratamentos mais ajustados.
Também a inteligência artificial e os modelos preditivos estão a mudar a forma como analisamos e gerimos a cultura, tornando-nos mais eficientes e mais resilientes face às agruras do clima.
Entre folhas caídas, há uma coisa que não se perde: a vontade de continuar. Porque com as variedades certas nos sítios certos, continuaremos, com certeza, a ver a paisagem alentejana salpicada de branco entre fevereiro e março.
E, embora diga o povo que “depois da tempestade, vem a bonança”, confesso que já não sei se acredito… ou se apenas quero acreditar que, neste ano, teremos o frio de que precisamos e não choverá trinta dias seguidos na floração. Talvez a natureza nos devolva, finalmente, a normalidade de que precisamos para ter um ano de viragem.
Engenheiro agrónomo e mestre em Bionergia. É diretor-geral da Trevo – Floresta, Agricultura e Ambiente, Lda. e produtor de amêndoas, nectarinas, alperces e romãs, promovendo práticas sustentáveis e o desenvolvimento agroflorestal no Alentejo.
As Crónicas Rurais incidem sobre temas relacionados com o mundo rural, com uma periodicidade semanal. São asseguradas por um grupo de autores relacionados com o setor, que incluem Afonso Bulhão Martins, Cristina Nobre Soares, Daniel Montes Filipe Corrêa Figueira, Marisa Costa, Pedro Miguel Santos e Susana Brígido.
O artigo foi publicado originalmente em SAPO.












































