Em Bruxelas os decisores políticos estão sujeitos à pressão de múltiplos grupos de interesse e, quando convém, atendem também aos pareceres emitidos pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), tomando não raro decisões que não correspondem ao interesse da maioria da população, nomeadamente dos consumidores. E, não menos grave, tais decisões não têm em atenção as condições de produção que vigoram nos países terceiros com os quais mantemos relações comerciais e onde as regras de produção por via de regra não se revestem das exigências impostas aos produtores da União Europeia (UE), que deste modo perdem competitividade, contribuindo assim para o declínio económico da UE.
A política agrícola da UE não favorece a nossa soberania alimentar e, caso a legislação a seguir abordada viesse a ser implementada, a produção de carne de frango iria sofrer um declínio brutal, aumentado ainda mais a dependência no que toca a esta proteína animal de relevante interesse nutricional.
Ora, recentemente encontra-se de facto em apreciação pública a legislação sobre Bem-Estar Animal no domínio da Produção Avícola, incluindo duas propostas particularmente onerosas para os consumidores, na medida em que conduzem a uma elevação dos custos de produção, os quais irão ser suportados pelos bolsos dos consumidores de frango de carne – presentemente a proteína animal mais consumida pelos portugueses – e, adicionalmente, com impactes ambientais negativos.
Concretamente, uma proposta da aludida legislação considera como densidade máxima de alojamento 11 kg de peso vivo de frango de carne por m2 (actualmente é três vezes superior) e outra proposta vai no sentido de limitar a 50 g por dia o crescimento máximo do frango de carne (presentemente é variável, dependendo da idade da ave, sendo que após as 4 semanas de idade é habitualmente superior a 90 g por dia, graças aos avanços científicos alcançados nos domínios do melhoramento genético, da nutrição e do bem-estar proporcionado às aves).
Ora, uma baixa velocidade de crescimento do frango de carne conduz a uma menor eficiência alimentar, decorrente do facto da maior proporção da energia ingerida pela ave se destinar a satisfazer as suas necessidades de conservação ou manutenção (dependentes do peso vivo – metabolismo basal – , da temperatura ambiental, da atividade voluntária da ave e do estado da plumagem); consequentemente, o índice de conservação alimentar, expresso pela quantidade de alimento consumido por kg de aumento de peso vivo, eleva-se, o que tem diversas consequências negativas em termos ambientais, económicas e organolépticas;
Primeira, ao maior consumo de ração corresponde uma maior área de terra destinada à produção dos alimentos vegetais (cereais, oleaginosas) incorporados no alimento composto administrado ao frango de crescimento lento, o que tem um impacto mais negativo em termos ambientais, comparativamente ao frango de crescimento rápido que consome menos ração por kg de peso vivo;
Segunda, ainda no que concerne à pegada ecológica, quanto menor for a velocidade de crescimento da ave maior será também o consumo de água e as emissões de CO2 (gás de efeito estufa, que importa diminuir para mitigar as alterações climáticas) por kg de peso vivo do frango; acresce ainda a energia despendida no condicionamento ambiental no aviário menos povoado e nos equipamentos de alimentação; cabe notar que uma menor densidade de alojamento implicará a expansão da área dos pavilhões avícolas necessários para manter a actual produção de carne de frango – cujo consumo aliás tende a aumentar – o que terá não só os reflexos negativos atrás mencionados, como também acresce a multiplicação por três da área de impermeabilização dos solos, o que concorre para o aumento dos custos económicos devido ao elevado investimento adicional com consequências na elevação dos custos de produção, que se refletirão no bolso dos consumidores.
Terceira, a um maior consumo de ração por kg de peso de vivo corresponde um aumento do custo de produção, que inevitavelmente se irá refletir no preço de venda da carne de frango – com reflexos negativos no custo da alimentação, nomeadamente dos portugueses, tanto mais que a carne de aves é a mais consumida em Portugal.
Quarta, os consumidores portugueses serão também afectados em termos de qualidade, na medida em que a maioria prefere carne tenra de frango jovem, para consumir grelhada.
Com base na minha experiência profissional em todos os segmentos da fileira do frango de carne e atendendo às considerações anteriormente apresentadas, sou da opinião que as medidas ora propostas por Bruxelas não são suficientemente relevantes para a melhoria do Bem-Estar Animal de modo a justificarem o impacto que teriam na elevação substancial dos custos de produção e no ambiente, causando um provável declínio do sector avícola da UE, conducente à perda da soberania alimentar no que concerne a uma proteína de elevado valor nutritivo e crescente procura.
No que respeita às aves reprodutoras, a minha experiência pessoal revela que algumas propostas ora em apreço são desfavoráveis ao Bem-Estar das Aves, nomeadamente: 1) o não corte de bicos e esporões dos machos pode causar uma elevada mortalidade nas fêmeas, conforme já observei num pavilhão com janelas e sujeito a forte intensidade solar, onde o nervosismo dos galos levou à morte de 5000 galinhas aproximadamente; 2) a alimentação ad libitum das aves reprodutoras conduz a pesos vivos excessivos para aves alojadas durante 60 semanas, de que resultam problemas metabólicos, mortes súbitas, dificuldades locomotoras com os inconvenientes abaixo mencionados e prolapsos – tudo contribuindo para uma produção menos eficiente, associada a custos mais elevados; 3) a administração de água ad libitum leva à produção de fezes excessivamente húmidas, responsáveis pelo encharcamento das camas, o que provoca a libertação de amoníaco (gás tóxico) e causa dermatites nas patas das aves, as quais são responsáveis por lesões nas mesmas diminuindo assim a atividade locomotora e o comportamento reprodutivo, baixando deste modo o número de ovos férteis por galinha alojada, o que conduz ao incremento do custo dos pintos do dia, o qual se irá refletir no valor dos correspondentes frangos de carne – note-se que estes custos adicionais irão repercutir-se no preço final do produto.
A propósito das políticas agrícolas desastrosas, recordo que até 1978 a China adoptou a agricultura planeada centralmente, bem como as teses pseudocientíficas de Lysenko, tendo o povo sofrido décadas de desnutrição, responsável por milhões de mortes à fome.
Mas, posteriormente, as Autoridades atribuíram incentivos aos agricultores individuais, o que conduziu nomeadamente a um aumento substancial da produção de carne. E, a partir da década de 1990, no que ao sector da carne de aves diz respeito, os empresários chineses expandiram a implantação de aviários de amplas dimensões e optaram pela criação de frangos geneticamente melhorados – tudo concorrendo para atingir elevadas produtividades e proporcionar à população carne barata e sanitariamente segura, atingindo 14,3 Mt em 2022 (segundo maior produtor mundial). Será que a legislação ora em consulta pública irá conduzir a UE a importar carne de frango da China?
Engenheiro Agrónomo, Ph. D.
Do Prado ao Prato na perspetiva de um fruticultor português – Manuel Chaveiro Soares