Os vice-presidentes do conselho interprofissional do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) consideraram hoje “imoral” a decisão do Governo em não renovar o mecanismo de reserva qualitativa para a produção de vinho do Porto em 2021.
“Esta resposta [do Governo] é imoral para a região e estamos perfeitamente revoltados com isto. Parece que somos uma região rica, mas nós não somos, e a viticultura não está infelizmente nessa situação”, referiu à agência Lusa o vice-presidente do interprofissional e responsável pela Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP), António Saraiva.
O Ministério da Agricultura disse na quarta-feira à Lusa que o mecanismo de reserva qualitativa para a produção de vinho do Porto em 2021 “não tem condições para ser renovado” e apontou “um aumento significativo das exportações” no primeiro trimestre no setor.
O Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), com sede no Peso da Régua, distrito de Vila Real, tinha adiado na segunda-feira a definição da quantidade de mosto para produção de vinho do Porto em 2021 para sexta-feira, enquanto aguardava resposta da tutela ao pedido de apoio para a reserva qualitativa.
Os vice-presidentes do conselho interprofissional do IVDP propõem uma nova reserva qualitativa, à semelhança do que aconteceu no ano passado, mas que atinja metade do valor, ou seja 2,5 milhões de euros (cinco mil pipas de 550 litros cada).
António Saraiva alertou ainda que a “região está a ficar desertificada” e que “há vários lavradores a começarem a abandonar terrenos porque não há dinheiro”.
“Defendemos esta medida para dar dinheiro diretamente ao viticultor, pois não pode haver ajudas diretas do Estado por causa das regras da União Europeia (UE). Esta reserva começou a funcionar no ano passado e funcionou muito bem. A pedido da produção propusemos novamente, com metade do valor do ano passado, mas o Governo entende que o viticultor não precisa”, sublinhou o representante das empresas.
Já o vice-presidente do conselho interprofissional e presidente da Federação Renovação do Douro, António Lencastre, apontou que “a situação da covid-19 não está ultrapassada, pelo menos no impacto económico”.
“A única forma de injetar dinheiro na mão dos viticultores é via uma reserva legal que propicie uma venda maior de benefício aos viticultores. Tudo o que tem sido disponibilizado pelo Governo não vai direto ao viticultor. Por exemplo, a questão da destilação de crise dá para quem tem vinho, não dá para o viticultor”, frisou.
O responsável pela produção referiu que se procurou “sensibilizar o Governo” para criar uma nova reserva qualitativa, num tamanho que permitisse “chegar a valores parecidos a 2019”.
António Lencastre apontou ainda que o dinheiro a ser utilizado seria “saldos de gerência do IVDP”.
“Víamos com bons olhos que este dinheiro em vez de ir para Lisboa voltasse e ajudasse os viticultores do Douro”, frisou.
Os vice-presidentes do conselho interprofissional vão reunir hoje à noite para “tentar chegar a um acordo e minimizar a situação” dos viticultores.
“Não nos podemos esquecer que a responsabilidade social não cabe às empresas. Estas têm a responsabilidade de serem viáveis para poderem pagar aos seus colaboradores o melhor que possam. Nós só podemos distribuir se gerarmos lucros. Vamos fazer um esforço, vou ter reuniões com os meus colegas CEO das empresas de vinho do Porto para saber até onde é que nós podemos ir perante esta recusa do Governo”, referiu António Saraiva.
Já António Lencastre descartou “valores parecidos a 2019” e espera na sexta-feira encontrar “um valor que não prejudique ainda mais” o setor.
Na resposta enviada à Lusa, o Ministério da Agricultura explicou que “a medida da reserva qualitativa para o vinho do Porto foi criada a título excecional, em 2020, com uma dotação de cinco milhões de euros, como uma das medidas de reforço do rendimento, na sequência da pandemia”.
O Governo refere ainda que, no primeiro semestre de 2021, o setor do vinho registou “um aumento significativo das exportações, refletindo que o seu desempenho se tem vindo a aproximar, em valor e quantidade, ao registado em período homólogo, no ano de 2019”.
O Ministério da Agricultura acrescentou que, apesar da “evolução positiva” na RDD em 2021, a tutela “decidiu não só manter, como reforçar os mecanismos de apoio ao setor do vinho, através de várias medidas nacionais”.
O conselho interprofissional é um órgão de representação paritária da produção e do comércio competindo-lhe a gestão das denominações de origem e indicação geográfica da Região Demarcada do Douro.
Para além do presidente do IVDP, Gilberto Igrejas, que representa o Estado, o órgão é composto por dois vice-presidentes, António Lencastre e António Saraiva, e 20 representantes da produção e do comércio distribuídos pelas duas secções especializadas (Porto e Douro).