A floresta portuguesa ocupa hoje mais de um terço do território português, uma área quase quatro vezes superior à do início do século XIX. As florestas primitivas de carvalhos desapareceram, sendo a floresta atual maioritariamente plantada. As alterações resultam da ação humana sistemática sobre o território, associada aos grandes fatores socioeconómicos que marcaram a dinâmica rural e a história portuguesa nos últimos 200 anos.
À semelhança do que se tem verificado em todos os territórios humanizados, as alterações do uso do solo português estão estreitamente relacionadas com as dinâmicas social e económica. É a partir do século XIV que a degradação florestal se acentua – quer em Portugal, quer na Europa – em resultado do crescimento demográfico.
A floresta original foi sucessivamente destruída para a instalação de povoações, explorações agrícolas e pastoreio, enquanto a madeira das diferentes espécies autóctones (em especial as quercíneas, as árvores do género Quercus, como o carvalho, azinheira e sobreiro) foi utilizada como fonte de combustível – lenha e carvão – e de matérias-primas para a construção e a expansão naval.
Antes dos adubos sintéticos, a produção agrícola nos nossos solos, maioritariamente pobres, dependia da incorporação de matéria orgânica resultante do pastoreio. Para responder às necessidades da agricultura, as matas foram gradualmente substituídas por pastagens e, no início do século XIX, a floresta portuguesa ocuparia menos de 10% do território, como refere o livro “Memória sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos bosques em Portugal” de 1815.
Em 1815, José Bonifácio de Andrada e Silva publicou o primeiro livro português de Silvicultura, “Memória sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos bosques em Portugal”. O autor descreve uma floresta portuguesa destroçada e em acelerado retrocesso, apelando à plantação de novas áreas (por sementeira) sobretudo no litoral.
Em termos gerais, o uso do solo divide-se habitualmente entre agricultura, florestas e incultos (que incluem as pastagens naturais) estando estas ocupações relacionadas entre si. Daí que o aumento da população e a orientação estatal para fomentar a produção agrícola tenham levado ao recuo das áreas arborizadas até finais do século XIX.
Só a partir desta altura – e, sobretudo, no fim dos anos 50 do século passado – começou a expansão da área florestal, à medida que as áreas agrícolas e o pastoreio foram abandonados e substituídos por espaços florestais plantados e naturalmente regenerados, e por zonas de matos e incultos.
Século XIX: uma nova dinâmica rural e os primeiros indicadores oficiais nacionais
A Revolução Liberal de 1820 estimulou o capitalismo agrário e reforçou a estrutura fundiária que ainda hoje se mantém em Portugal: grandes propriedades a sul e fragmentação a norte, com domínio da propriedade privada e com o Estado (antes dele o Reino) a deter apenas uma pequena parte.
A liberalização da propriedade deu início a uma economia de mercado que incentivou os privados a expandir e adensar os montados para a produção de cortiça (antes vocacionados apenas para a produção de bolota, como alimentação de suínos) e plantar pinhais, um objetivo fortemente impulsionado pelos Serviços Florestais, tanto em áreas públicas como privadas, que os consideravam “mealheiros do povo”.
O crescimento populacional aumentou a pressão sobre a produção agrícola e florestal e a necessidade de criar indústria. A floresta constituía a principal fonte de combustível e matérias-primas, pelo que foram adotadas políticas públicas destinadas à diminuição da área de incultos, que ocupavam a maior parte do território. A classificação de áreas de pastagens naturais, ainda que pobres, como incultos não teve em consideração o seu papel na transferência de fertilidade para as zonas agrícolas.
Em 1867, decreta-se a elaboração do cadastro do território nacional, cujos resultados foram compilados no “Relatório Ácerca da Arborisação Geral do Paiz” de 1868, de Carlos Ribeiro e Nery Delgado, um documento que em conjunto com as “Cartas Elementares de Portugal”, de Barros Gomes (1878), são os percursores da caracterização da paisagem portuguesa. A Carta, que acompanhou o Relatório de 1868, identificava que existiam cerca de 5 milhões de hectares de incultos, o que equivale a cerca de 60% do território nacional.
Em 1836, Frederico Luiz Guilherme Varnhagen publica o “Manual de instruções práticas sobre sementeira, cultura e corte de pinheiros, e conservação da madeira dos mesmos; indicando-se os methodos mais proprios para o clima de Portugal”. Segundo este livro, cerca de um sétimo do país estava ocupado por matas e áreas dispersas, outro sétimo por agricultura e os restantes cinco sétimos por “charnecas e serranias estéreis e descobertas de árvores e até em partes nuas de matos”.
Fonte: Cartas Elementares de Portugal (1878)
As primeiras estatísticas florestais de Gerardo A. Pery (“Geographia e estatística geral de Portugal e Colónias”, Lisboa, 1875) admitiam que apenas 7% da superfície de Portugal continental (cerca de 640 mil hectares) teria coberto florestal, como lembram os Cadernos de Geografia Nº 21/23 da Universidade de Coimbra. O restante dividia-se entre os cerca de 21% de área agrícola (1,9 milhões de hectares) e os quase 70% de incultos (6 milhões de hectares caracterizados como pastagens naturais pobres).
A privatização dos baldios para diminuir a área de incultos e aumentar floresta e agricultura é promovida entre 1869 e 1932.
Da esquerda para a direita: Plantação de árvores na serra do Soajo; Sementeira nas dunas de Ovar (1933); Sementeira na Mata Nacional do Urso (1907-1908).
Fonte: “Sôbre os serviços florestais”, de José Mateus de Almeida Mendia (1945)
Em 1886, com a criação dos Serviços Florestais, iniciam-se os planos de florestação dos baldios serranos e continua-se o trabalho de arborização das dunas. A arborização das serras do Gerês e da Estrela inicia-se três anos depois.
A privatização dos baldios foi retomada e revigorada nos anos 50 do século XX, o que suscitou então forte reação por parte das populações locais, que se viram privadas dos espaços que serviam a tradição do “pastoreio sem terra”, como bem documentou Aquilino Ribeiro, no romance “Por quem os lobos uivam”.
Em 1899 é também aprovada a chamada Lei da Fome, uma lei cerealífera que tinha como objetivo aumentar a produção nacional de trigo, também ela retomada pelo Estado Novo no período que se seguiu à II Grande Guerra. O incentivo à produção cerealífera levou à procura de novas áreas – até então com outras ocupações – para fins agrícolas.
De acordo com Nicole Devy-Vareta no artigo “A questão da florestação em Portugal: um processo de longa duração”, as transformações no espaço silvo-agrícola ao longo do século XIX, resultaram sobretudo da:
– desarborização de folhosas a norte do Tejo com o aumento de área do pinheiro-bravo, principalmente, resultante do aumento da área de vinha, oliveira e milho, e da morte dos castanheiros pela doença da tinta;
– regeneração do sobreiro e valorização dos montados, pela desvalorização do preço dos cereais na segunda metade do século. Os grandes proprietários, especialmente a sul, procuraram na cortiça e no gado outras alternativas de rendimento;
– progressão dos povoamentos de pinheiro-bravo do litoral para o interior, formando povoamentos mistos com carvalhos e castanheiros e ocupando áreas desarborizadas;
É também no século XIX que se dá início à Administração das Matas do Reino – no âmbito do Ministério da Marinha (1824-1881) – que marcou o início do período florestal moderno, e que se cria o Ensino Superior Florestal (1865).
A dinâmica entre floresta, agricultura e incultos no séc. XX
A transição para o século XX ficou marcada pelo aumento significativo da área agrícola e florestal.
Em 1902, a agricultura ocupava 35% do país, a floresta 21% e os incultos tinham diminuído para cerca de 38%. Em 1929 foi implementada a Campanha do Trigo, sob o mote “vamos produzir mais trigo e acabar com o inculto”. Nos anos 50 a 60, a área ocupada por cereais atinge máximos históricos, mas intensifica-se a erosão de solos já pobres e o consequente abandono rural, relacionado com a diminuição do rendimento agrícola.
No seguimento das políticas do Estado Novo, nomeadamente do Plano de Povoamento Florestal (1938) e, ulteriormente dos Planos de Fomento, a área florestal continua a aumentar, chegando aos 30% do território na década de 70.
Os Planos de Fomento nomearam o pinheiro-bravo como espécie pioneira, capaz de crescer em solos esqueléticos e pobres, de melhorar o nível de matéria orgânica no solo, de ter aproveitamento nos primeiros anos para a produção de biomassa, de promover novas serrações no interior e, a partir dos “desperdícios” destas, gerar oportunidades às indústrias de aglomerados de madeira.
A introdução de inovações, como os instrumentos de ferro e a máquina a vapor, permitiram mecanizar a agricultura. A chamada Revolução Verde, que além da mecanização disseminou novas sementes e a utilização de adubos, melhorou a produtividade vegetal, permitiu reduzir a força de trabalho e, mais importante, quebrou o vínculo entre a produção agrícola e o pastoreio, até aí essencial para manter a fertilidade dos campos agrícolas.
A partir dos anos 70 intensificou-se o abandono das áreas rurais, com a mobilização dos jovens do interior para a Guerra Colonial e o inevitável contacto com o mundo urbano. Dele resultou a procura de melhores condições de vida e de trabalho nos sectores secundário e terciário, que se desenvolveram no litoral.
A agricultura concentrou-se nos solos mais férteis, libertando terrenos marginais, que foram gradualmente ocupados por matos e permitiram a recuperação das áreas florestais. Esta quebra de viabilidade estrutural, social e económica de muitas explorações agrícolas, a par da diminuição da população nas áreas rurais e do abandono das práticas tradicionais, levou também a um aumento da área abandonada de incultos.
Fontes: (em cima) Museu de São Roque;
(em baixo) Edição Comemorativa dos 75 anos do Ministério da Agricultura (postais Estado Novo), 1993
Em 1950, cerca de 50% da população ativa trabalhava na agricultura, regista o livro “Portugal: Paisagem Rural”. Em 1991, de acordo com “O cadastro e a propriedade rústica em Portugal”, este número reduzira-se a 10%. Atualmente, estima-se que 6% da população ativa se dedique ao sector primário, segundo a Pordata.
A entrada de Portugal na União Europeia (em 1985, ainda sob o nome CEE – Comunidade Económica Europeia) e o estabelecimento de regras, como os prémios por perda de rendimento agrícola, decorrentes de compromissos europeus, nomeadamente da Política Agrícola Comum (PAC), contribuíram para a contração da área agrícola, que passou de mais de 50% na década de 80 para cerca de 25% nas primeiras duas décadas do século XX.
O contributo do sector agrícola no PIB tem decrescido desde a entrada de Portugal na União Europeia: de 8,8 % em 1985 para 3,5 % em 2000, 2,2 % em 2010 e 2,4% em 2018, e este decréscimo tem sido acompanhado pela diminuição da área agrícola em Portugal continental.
Entre 1995 e 2010, o mesmo aconteceu em relação à área florestal – por razões bem distintas –, cuja diminuição foi acompanhada pelo aumento das áreas de matos e pastagens.
Em termos florestais, após a consolidação orgânica dos serviços e da institucionalização do Regime Florestal (1901), o século XX caracteriza-se por políticas de arborização sistemáticas:
– arborizações de serras e dunas no início do século;
– Plano de Fomento Florestal de 1938;
– criação do Fundo de Fomento Florestal em 1945 para a arborização de terrenos privados;
– Programa de Fomento Suberícola (1955);
– Projeto Florestal Português/ Banco Mundial (1981/86)
– Programa de Ação Florestal (1987-1993);
– Medidas Florestais previstas no âmbito do REG CEE nº 707/85.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.