Primeiro, foram as campanhas do trigo a consumir o húmus dos solos do Alentejo. Agora as culturas intensivas vieram acelerar a erosão e colocar aos agricultores um desafio que exige resposta imediata: se não regressarem ao uso de fertilizantes orgânicos, baseados nos subprodutos agrícolas, a terra perde o que lhe resta de nutrientes naturais. Para contrariar isso, foi dado o primeiro passo para aproveitar destes desperdícios das culturas.
A monitorização do solo realizada pela Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva (EDIA) desde 2009 indica que os teores de matéria orgânica no solo em todo o Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (EFMA) estão entre 0,7% e 1% quando, em circunstâncias normais, deveriam situar-se entre os 3% e 4%. Esta discrepância deve-se ao facto de, ao longo das últimas décadas, os agricultores no Alentejo terem dado pouca relevância à deposição de matéria orgânica no solo, usando e abusando dos adubos minerais. David Catita, técnico da EDIA para as questões do ambiente, explicou ao PÚBLICO que a formação de húmus no solo “desapareceu em décadas de agricultura não conservativa”.
Nas várias acções de sensibilização já realizadas junto dos agricultores, o técnico da EDIA deixa sempre um alerta: a ausência de húmus no solo “afecta negativamente o potencial produtivo e o uso eficiente da água de forma gradualmente crescente”. E com o aumento exponencial das culturas de regadio, “aumenta a taxa de mineralização do solo”, acrescenta Pedro Salema, presidente do conselho de administração da EDIA.
Numa recente deslocação à Herdade da Abóbada, em Vila Nova de S. Bento/Serpa, para observar o funcionamento da primeira Unidade de Recirculação de Subprodutos do Alqueva (URSA), o Secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, Miguel de Freitas, lembrou que os processos de desertificação “são mais propícios nas zonas de regadio”. O governante advertiu os agricultores para um equívoco que urge desfazer: “Quando se pensa em erosão do solo pensamos logo na água. Ora o solo é mais importante que a água”. E deu como exemplo o que se está a passar na Margem Esquerda do Guadiana, sobretudo em Mértola, a poucos quilómetros da Herdade da Abóbada, onde esse processo de erosão “está muito acentuado”.
Colmatar uma tão grave lacuna colocou a EDIA perante a necessidade de avançar com um projecto inovador e em larga escala: produzir num horizonte temporal de uma década cerca de 250 mil toneladas de fertilizantes naturais para devolver a 80 mil hectares de áreas regadas por Alqueva o que lhe foi retirado em matéria orgânica que alimentou a produção agrícola.
Boa parte da solução para dotar os solos de capacidade produtiva, encontra-se nas áreas irrigadas em Alqueva, que geram cerca de 500 mil toneladas de subprodutos orgânicos (restolhos, palhas, restos de podas, folhas, bagaços, etc), que até agora têm sido deixados no terreno ou queimados. Fazer a sua compostagem é o caminho a seguir.
“Em vez de se queimarem os restolhos das searas e as folhas das oliveiras, que estes resíduos sejam utilizados na produção de matéria orgânica”, advoga David Cativa, frisando que o aproveitamento dos resíduos pode ser extensivo ao bagaço de azeitona. Este subproduto deixado pelos lagares de azeite “não tem solução de reciclagem”. A alternativa tem sido a sua transformação nas fábricas de bagaço de azeitona mas a solução está a criar sérios problemas ambientais.
A Unidade de Recirculação de Subprodutos Agrícolas instalada na Herdade da Abóbada é a primeira de uma série de 12 que estão programadas para o EFMA, cada uma com um raio de influência inferior a 10 quilómetros. O novo adubo orgânico é entregue aos agricultores em troca dos subprodutos agrícolas que tenham colocado na URSA.
Por cada tonelada de subprodutos valorizados, serão poupados 100 quilos de adubos minerais, 100 metros cúbicos de gás natural, 28.670 litros de água e 750 quilos de CO2. Com o recurso aos fertilizantes naturais, serão igualmente produzidos mais 100 quilos de azeitona ou 200 quilos de milho do que o que é actualmente produzido.