Em todo o mundo, toneladas de fruta, legumes e milhares de ovos ou litros de leite estão a ser deixados ao lixo por dificuldades de escoamento de produto. O aumento do desperdício alimentar é uma das faces visíveis da pandemia
É uma das faces visíveis da crise gerada pela pandemia covid-19 e está a causar preocupação em todo o mundo. O excendente de produtos alimentares – maioritariamente os frescos -, que devido ao encerramento de fronteiras, limitação de deslocações, alterações do modelo de funcionamento de restaurantes e bares e até dos próprios padrões de consumo viram as vendas cair a pique, já levou Governos e associações a pedir, por exemplo, que se coma mais batatas ou se beba mais cerveja durante a quarentena, para evitar o desperdício.
O encerramento dos restaurantes está levar os agricultores a destruir produtos alimentares. Acontece em todo o mundo, com fruta, legumes, leite. São produtos perecíveis, com um tempo certo para serem colhidos, comercializados e consumidos. Um ciclo que a pandemia veio alterar e que está a deixar em maus lençois os agricultores.
Nos últimos dois meses, o excedente de produtos frescos acumulou-se sem que seja possível dar-lhe vazão conduzindo ao desperdício alimentar. Em Portugal, o relatório do terceiro período do estado de emergência, elaborado pela Estrutura de Estrutura de Monitorização do Estado de Emergência, coordenada pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, confirma-o. O documento destaca a “retração da atividade económica” e, associada a ela, “impactos negativos de curto prazo” que afetaram principalmente um conjunto específico de atividades económicas, designadamente o alojamento e a restauração, o comércio de bens não-alimentares e todos produtores que fornecem estes canais de distribuição. O relatório confirma ainda a “existência de excedentes de produtos agrícolas”.
Milhares de litros de leite deitados ao lixo
Um problema para o qual os representantes do sector agroalimentar e agrícola começaram desde cedo a alertar o Governo. Poucas semanas depois de ter sido decretado o confinamento obrigatório, já os produtores de leite davam conta ao Expresso de que estavam a destruir milhares de litros de leite que não conseguiam escoar, nem colocar no mercado devido ao encerramento de restaurantes e fronteiras com países clientes.
Um desperdício que deixou sem rendimento centenas de famílias proprietárias de microempresas neste sector que, ficaram sem fonte de rendimento. Um cenário que se replicou em produções agrícolas de frutos e legumes que, de um dia para o outro, perderam o cliente “restauração”. São produtos que, uma vez plantados, se não forem vendidos dentro de determinado prazo têm como único caminho a destruição.
E o problema não é apenas nacional. No Reino Unido, por exemplo, o encerramento de restaurantes e das conhecidas cadeias de “fish and chips” (um negócio tradicional no país), gerou um excedente de mais de 95 mil toneladas de batatas que os agricultores não estão a conseguir escoar. O impacto económico é elevado e está a deixar os produtores – que têm doado parte do excedente a bancos alimentares -desorientados.
Na Bélgica o problema é similar. O país tem já um excedente alimentar superior a 750 mil toneladas de batatas acumuladas em armazéns, devido à quebra de consumo e encerramento de restaurantes. Associações de produtores já vieram apelar ao consumo de mais batata para minimizar os danos.
Os Estados Unidos enfrentam um problema semelhante que se alastra também aos ovos e ao leite. Em entrevista à Business Insider, produtor americano Sanderson Farms admitiu que teve de destruir mais de 750 mil ovos por semana, nas últimas semanas, devido ao encerramento de restaurantes.
E até o consumo de cerveja já viveu melhores dias. As vendas de cerveja registaram uma quebra acentuada em todo o mundo. O excedente é tal que os produtores estão a ser aconselhados a converter o álcool de produção de cerveja em gel desinfetante. Em Portugal, a Superbock e a destilaria Levira já o fazem.