O Reitor da Universidade de Coimbra tornou pública a sua decisão de acabar com o consumo de carne de bovinos nas cantinas da UC, como forma de contribuir para a neutralidade carbónica da instituição que dirige.
Esta decisão, por muitos apelidada de corajosa, é, em meu entender, pouco inteligente e, por esse motivo, demagógica.
Em primeiro lugar, porque tal decisão tem um alcance directo muito menor do que aquele que se supõe. De facto, se admitirmos que se pretende que as dietas alimentares das cantinas universitárias mantenham o actual equilíbrio entre a proteína vegetal e animal, o que se preconiza é uma substituição do consumo de carne de bovinos pelo consumo de outras carnes (suínos, aves, ovinos, …) donde resultará que a redução das emissões de gases de efeito de estufa (GEE) alcançadas pelo menor consumo de carne de bovinos seja em parte neutralizada pelas emissões com origem noutras espécies animais.
Em segundo lugar, porque os únicos sistemas de produção pecuária que poderão vir no futuro a contribuir favoravelmente para o sequestro de CO2 são os da pecuária extensiva em geral e a de bovinos em particular. De facto, vai ser possível promover diferentes medidas mitigadoras (aditivos alimentares, melhoria da digestibilidade animal e maior eficiência dos sistemas de gestão de efluentes, …) capazes de contribuir para a redução das emissões de GEE no âmbito da generalidade dos sistemas de produção pecuária. No entanto, só no caso dos sistemas extensivos de produção de carne é que se poderá vir a alcançar um sequestro de CO2 capaz de mais que compensar as respectivas emissões.
Um dos principais desafios a enfrentar pela agricultura portuguesa no futuro vai ser o de melhorar o teor de matéria orgânica dos seus solos, a maioria dos quais se encontra em avançado estado de degradação. A forma mais eficaz de alcançar tal melhoria na maior parte do nosso território vai ser através da instalação de pastagens permanentes melhoradoras do tipo biodiverso, cuja adequada manutenção irá permitir um aumento gradual do teor de matéria orgânica com as consequências positivas daí resultantes para o aumento da sua capacidade de retenção de água e para o sequestro de CO2.
De um ponto de vista económico, a rendabilidade deste tipo de pastagens irá implicar a sua utilização, a qual, se for baseada em sistemas de pastoreio extensivo, irá permitir que, a prazo, as emissões de GEE por parte dos animais sejam mais que compensadas pelo sequestro de CO2 alcançável, com o tipo de ocupação do solo em causa.
Mas os benefícios potenciais deste tipo de sistemas de produção não ficam por aqui, uma vez que deles se poderão esperar contribuições muito positivas para a retenção de água nos solos de zonas com elevado índice de aridez, o combate às perdas de biodiversidade e aos incêndios pela redução dos riscos de abandono e o aumento da coesão económica e social das zonas rurais sem alternativas a este tipo de actividades económicas.
Nesta perspectiva, o mais corajoso (e sobretudo mais inteligente) por parte dos responsáveis da UC não seria o proibir o consumo de carne de bovinos, mas sim, o tomar a decisão de para o futuro, nas suas cantinas, só se consumir carne de bovinos com origem em sistemas extensivos baseados em raças autóctones alimentados em pastagens permanentes melhoradoras de tipo biodiverso.
A generalização deste tipo de decisões poderia vir a constituir um incentivo para que o Governo Português viesse a alterar o actual sistema de apoios à pecuária nacional, de modo a que este sector se viesse a orientar para os objectivos ambientais e socioeconómicos visados no contexto quer do Acordo de Paris quer dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentáveis da ONU.
Se assim fosse, tinha todo o sentido considerar-se como corajosa a decisão agora tomada.
Francisco Avillez
Coordenador Científico da AGRO.GES e Professor Emérito do ISA