O consumo em casa continuou a aumentar mesmo após o período de confinamento obrigatório decretado em Março pelo Governo, com os portugueses a realizarem, em média, mais três ocasiões de consumo em casa, por comparação com anos anteriores, de acordo com a análise “Mudanças no consumo em Portugal após a quarentena”, realizada pela Kantar e analisada por aquela consultora de mercado e pela Centromarca – Associação Portuguesa de Empresas de Produto de Marca.
Por contraste com sectores afetados pelas consequências negativas da pandemia e com dinâmica fora do lar, como são a restauração ou a hotelaria, o consumo em casa sai favorecido, ao registar mais ocasiões através dos momentos de consumo tradicionalmente realizados fora do lar.
Em média, no mês de Junho, por exemplo, a evolução em ocasiões por momento de consumo aumentou 13,9% em relação ao meio da manhã, 38,5% em relação ao almoço e 33,7% ao meio da tarde, em comparação com igual período do ano passado.
Mais tempo em casa resulta também num crescimento de consumo ligado ao prazer, uma vez que 38,2% das ocasiões de consumo foram motivadas por esse factor, da mesma forma que 45% das ocasiões de consumo perdidas em out-of-home estão relacionadas com prazer.
«A análise mostra que quase dois terços dos momentos de consumo que fazemos em casa estão a ser partilhados e correspondem, de alguma forma, à compensação da necessidade de socialização que se perde fora de casa», sublinha Marta Santos, Manufacturers Sector director da Kantar.
Num contexto de confinamento, reinventaram-se refeições e o almoço aproxima-se do alcance do jantar, quer no número de consumidores (92% em Junho de 2020 vs. 82% em Junho de 2019), quer no de ocasiões (5,2 em Junho de 2020 vs. 4,2 em Junho de 2019).
Também os momentos de convívio após o jantar passaram a acontecer dentro de casa, principalmente entre os consumidores dos 20 aos 34 anos, que habitualmente estão 25% acima da média na presença fora de casa depois do jantar. Esta variedade de momentos de consumo fez disparar a venda de bebidas, nomeadamente de cerveja, verificando-se um aumento de 16% do volume total comprado para consumo dentro de casa.
Para Pedro Pimentel, director-geral da Centromarca, a conjuntura actual empurra os consumidores para um aumento substancial do tempo passado em casa e para a transferência do consumo para o lar em detrimento do que era realizado fora de casa. «Não é linear que para o conjunto sector do grande consumo esta transferência de ocasiões de consumo tenha um resultado amplamente positivo, pois, por exemplo, perdeu-se o forte impulso que era dado pelo fenómeno turístico, mas a conjuntura abre novas possibilidades e oportunidades para marcas, fabricantes e retalhistas, ao gerar, em especial no sector da alimentação e bebidas, uma nova atenção por parte dos consumidores, combinando racionalidade, saúde e indulgência», explica.
Marta Santos acrescenta: «o estudo revela que a evolução de indicadores como o desemprego e o teletrabalho, a cozinha eficaz, a preocupação com a saúde e a necessidade de convívio e de socialização mesmo dentro de casa será decisiva para determinar o futuro do sector do grande consumo».
Pedro Pimentel enfatiza que a segunda vaga da pandemia e as medidas que estão a ser tomadas, se bem que necessárias, podem penalizar ainda mais o consumo e a economia nos próximos meses. «O retrocesso no regresso a uma progressiva normalidade, os condicionalismos à mobilidade dos cidadãos e os receios associados ao consumo fora de casa penalizam fortemente o sector e terão um fortíssimo impacto no tecido económico nacional, com enormes custos financeiros e sociais. Esta segunda vaga representa, em especial para o Canal HoReCa, o dinamitar da ténue recuperação que vinham a fazer a partir dos meses de Maio e Junho, e pode significar a sentença de morte para milhares de estabelecimentos.»
O artigo foi publicado originalmente em Revista Frutas Legumes e Flores.