A União Europeia enfrenta um desafio sem precedentes com a recuperação do choque económico que resulta da pandemia da Covid-19. Todos os dias, somos confrontados com estatísticas preocupantes, com números revistos em baixa, e em toda a Europa paira a incerteza sobre o que vai acontecer, quando as medidas de emergência chegarem ao fim.
No primeiro trimestre deste ano (que compreende apenas um mês de medidas de confinamento), a economia europeia contraiu 3,2% em termos homólogos e 3,8% em cadeia (em Portugal, a queda foi respetivamente de 2,4% e de 3,9%). Bastam estes números para entender a dimensão da crise que já se instalou. Quanto a perspetivas, a Comissão Europeia prevê uma recessão de 8,3% do PIB na UE em 2020 (8,7% na zona Euro). Mesmo assim, pode-se qualificar este cenário de otimista, por não considerar a ocorrência de uma segunda vaga ou o (imprevisível) protelar do “regresso à normalidade” pelas pessoas que, em geral, poderão mudar os seus hábitos de consumo, tendencialmente num sentido mais conservador. Portugal, com uma recessão prevista de 9,8%, fecha o top 5 das economias mais afetadas, depois de Itália, Espanha, Croácia e França. Na Europa o confinamento controlou a expansão do surto, mas a verdade é que o Mundo está a atravessar uma fase crítica, bastando olhar para os números dos EUA e América do Sul ou para os riscos de propagação em África, para perceber que estamos longe do fim deste combate. Um combate que pode voltar a ser travado com violência em solo europeu, numa situação que seria catastrófica para as nossas economias.
O que se antevê é muito duro, pelo que é necessário apresentar com transparência o que se avizinha, bem como encontrar soluções partilhadas ao nível europeu. O próximo Conselho Europeu que se realiza durante esta sexta-feira e sábado é um momento crucial para a UE demonstrar compromisso e capacidade de decisão. A crise económica que enfrentamos resulta de um choque simétrico e transversal: afeta todos os Estados-Membros e todos os setores da economia. Infelizmente, numa União que ainda está a caminhar para uma verdadeira coesão económica, social e territorial, as consequências serão, provavelmente assimétricas. Por isso, a resposta tem que ser comum, tem que ser solidária e tem que ser imediata.
Desde março que sabemos que a situação económica é severa e sucessivos Conselhos Europeus adiaram decisões. Até as chamadas “redes de segurança” para orçamentos (Mecanismo Europeu de Estabilidade), para empresas (Banco Europeu de Investimento) e para os empregos (programa SURE da Comissão Europeia) só foram consensualizados em maio, sendo que o programa SURE ainda nem sequer foi aprovado. Chegamos a julho e os chefes de governo desdobram-se em negociações para chegar a um acordo sobre o plano de recuperação de 750 mil milhões de euros, dividido entre subvenções (500 mil milhões) e empréstimos (250 mil milhões), segundo proposta da Comissão. Quase dois meses depois dessa proposta, o Parlamento Europeu já se pronunciou e as propostas estão “no forno” para seguirem para processo legislativo. A verdade é que o Conselho Europeu está parado e concentrado em negociações que já deviam estar fechadas há muito.
Têm-se misturado assuntos como o do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) – o orçamento europeu para 2021-2027, que se encontrava num impasse antes da pandemia, mas que urge conhecer uma decisão, uma vez que estamos a seis meses do fim do atual quadro. A recente proposta de compromisso do Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, prevê uma descida do envelope financeiro do QFP, acompanhado de “mecanismos de equilíbrio” para contribuintes líquidos (nomeadamente os chamados países “frugais”), o que pode significar colocar em causa programas fundamentais da UE.
No entanto, todos os dias estamos a ver a economia a desacelerar, o desemprego a subir e as famílias a enfrentar dificuldades. Um estudo recente do Conselho Europeu revela que 47% dos europeus (52% dos portugueses) entendem que a ação da UE foi irrelevante na resposta à pandemia. Por outro lado, um estudo de opinião do Parlamento Europeu diz-nos que 56% dos europeus (71% dos portugueses) defendem mais capacidades financeiras da UE para combater os efeitos da pandemia. É também isto que está em causa neste Conselho Europeu: a confiança dos cidadãos no projeto europeu de paz e democracia. Cada dia de atraso na tomada de decisão dá mais argumentos àqueles que combatem a UE e os seus fundamentos inspiradores.
O momento que a União vive não é apenas sério ou grave, mas verdadeiramente decisivo para o seu futuro. Em lugar de discutirmos a redução das contribuições financeiras dos Estados-Membros para o orçamento europeu devíamos estar a discutir novos recursos próprios e formas alternativas de as financiar, num orçamento reforçado e que preserve políticas e programas essenciais para o nosso desenvolvimento, da política agrícola comum à política de coesão. Como vamos enfrentar o desafio da digitalização, se desinvestirmos no Horizonte Europa, o maior programa de apoio à Ciência e Inovação do Mundo? Como vamos enfrentar o desafio do combate às alterações climáticas e da transição energética, se reduzirmos o financiamento de programas de adaptação da nossa agricultura e da nossa indústria? Como vamos defender a ideia de Europa, se pusermos em causa o programa Erasmus e outras iniciativas de mobilidade de estudantes e trabalhadores?
O Conselho Europeu tem de decidir já, mas não só. Tem de decidir bem e de forma responsável. O Parlamento Europeu já assumiu rejeitar qualquer proposta que reduza o valor do orçamento europeu e este não é o tempo de abrir guerras entre instituições. Mas o importante aqui é registar que a razão está do lado de quem defende uma maior ambição e uma solidariedade efetiva. Afinal, a Europa fez-se nestes dois pilares e abandoná-los agora é deixar que estes tempos de mudança nos façam ir pelo caminho errado.
Os europeus (e os portugueses, em particular) estiveram à altura do choque que enfrentaram, com coragem e determinação. As instituições europeias, apesar de todos os atrasos, chegaram a propostas equilibradas que podem ser um ponto de partida para soluções europeias concretas. Falta a decisão dos líderes dos governos nacionais. Que no Conselho Europeu deste fim-de-semana tenham a ousadia de reconhecer que estão a ser parte do problema e que, para ser parte da solução, basta terem a coragem de se afirmarem europeus. A crise é inevitável, mas a recuperação será tão rápida e consequente quanto for a ambição das nossas decisões. Venceremos a crise sanitária e recuperaremos da crise económica. Temos uma maratona pela frente. Está na hora do Conselho Europeu dar o primeiro passo.