Uma vez, num curso de comunicação para técnicos, um aluno zangou-se muito comigo por eu dizer que as pessoas não são tábuas rasas nas quais assenta, sem resistência, o conhecimento que lhes transmitimos. Que temos de ter em conta as vivências, as crenças, os hábitos e as ideias feitas que essas pessoas têm, tal como nós também as temos. Que tentar dizer que dois mais dois são quatro a uma pessoa que toda a sua vida acreditou que dois mais dois eram cinco, é capaz de exigir mais algum trabalho de comunicação do que simplesmente afirmar:
– Mas o que eu digo é que é a verdade!
Efectivamente, dois mais dois são quatro. Mas, se a pessoa até àquele momento não acreditou que assim fosse (e o verbo aqui é mesmo “acreditar”), não será a indignação com que afirmamos o contrário que fará com que a pessoa mude de ideias. Também podemos acusá-la de ser uma ingrata, por não dar o valor devido à aritmética, sem a qual não conseguiria nunca pagar as suas compras de supermercado. Ou pura e simplesmente chamar-lhe ignorante. Mas dá-me ideia que nunca ninguém mudou de opinião só porque alguém o chamou ignorante, dizendo qualquer coisa do género “Ah, mas tem toda a razão, sou um grandessíssimo asno, só por isso vou já mudar a minha ideia feita”. Não, pois não?
Como em muitas outras áreas, há uma série de ideias feitas (e erradas) sobre a agricultura, bastante incrustadas na opinião pública. Algumas delas completamente desfasadas da realidade, baseadas em práticas agrícolas que se usaram no passado e que agora já não se usam. Por que razão ainda pensam as pessoas assim? Bom, talvez porque o sector agrícola tivesse achado que não valia a pena comunicar o que entretanto de bom e sustentável se fez. Que não era competência dele fazê-lo, afinal, “dantes” não era. Mas os tempos mudaram. E as vontades também. Tal como evoluíram a tecnologia e o conhecimento na agricultura. A comunicação da agricultura é que parece que ficou mais ou menos no tempo em que se usava DDT. E a algumas das tentativas para “mudar” resvalam-lhes sempre o pezinho para a propaganda bafienta, a reflectir um imaginário rural que podia ter sido descrito por Júlio Dinis.
Então o que fazer?
Por exemplo, tentar perceber a origem da má opinião e dos medos das pessoas, mesmo sabendo que os medos dos outros são sempre infundados, só os nossos é que não. Em vez de nos dividirmos em lados diferentes das barricadas, tentarmo-nos pôr na pele dos outros. Se conseguirmos perceber por que razão os outros vêem a agricultura de uma forma tão negativa, talvez consigamos desmontar as tais ideias feitas (e erradas) que têm.
E fazer tudo isto usando uma linguagem clara e acessível. Sem formalismos e floreados de requerimento em papel azul de vinte e cinco linhas. Explicando os conceitos técnicos e científicos que estão por detrás, de uma forma simples. De uma forma simples de modo a que o consumidor saiba realmente o que está em causa, e de modo a que responda às suas dúvidas e medos. E, para além de comunicados de uma forma simples, estes conceitos devem vir inseridos numa estratégia de comunicação. Sim, numa estratégia, aquela coisa que se costuma usar quando não agimos apenas por reacção.
A má notícia é que isto implica, ao contrário do que o Príncipe de Salina* disse, termos mesmo de mudar muita coisa para conseguir mudar alguma coisa. A começar por nós e pela maneira como comunicamos e lidamos com o público. Isso dá trabalho e exige investimento de tempo e dinheiro. Exige que o sector agrícola deixe de olhar para a comunicação como algo supérfluo onde se gasta os restos do dinheiro que sobraram de um financiamento.
A comunicação tem de ser encarada como uma prioridade, pois caso contrário não chegamos a bom porto. Não basta a retórica dos debates nos eventos agrícolas, nos quais tanto se apela ao “tem que se” fazer e acontecer. “Tem que se” quem? Nós. Nós temos. Nós, os técnicos, académicos, gestores, consultores, administradores, produtores agrícolas e florestais. E não só temos como precisamos de agir com urgência, dado que o comboio da (má) opinião pública já partiu há algum tempo. Se não o fizermos, restar-nos-á correr atrás do prejuízo, como, aliás, temos feito.
A importância e a urgência de mudar a forma como comunicamos a agricultura é, para mim, tão clara como dois mais dois serem quatro. Mas parece-me que nem toda a gente pensa o mesmo que eu. Há a crença de que o público ainda é o mesmo que aquele que via o TV Rural, as vivências de quem nunca precisou (nem esteve para isso) de comunicar para fora do sector, a ideia feita de que “sempre se escreveu assim”.
Ou seja, há ainda muita gente, no sector agrícola, que acha que esta conta da comunicação pode dar cinco, em vez de quatro. E quem é que os convence de que estão errados?
* – “Temos de mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma”.
Cristina Nobre Soares
Comunicadora de ciência clara.