Um monumento vivo com 3354 anos chegou aos nossos dias, deixando em aberto uma questão pertinente: por quanto tempo mais terá condições para viver uma das árvores mais velhas do mundo.
A oliveira do Mouchão esperou mais de três mil anos para que os humanos se apercebessem da sua idade. José Luís Louzada, investigador auxiliar com agregação do departamento florestal na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que patenteou, em 2008, um método de datação das oliveiras antigas, recorre a uma frase adequada a árvores tão vetustas: “Arrisco-me a dizer que as oliveiras como a de Mouchão são quase eternas”. E, no entanto, este exemplar que já completou 3354 anos em 2021 escapou por um triz a um abate que chegou a estar anunciado e por estes dias ainda enfrentou uma ameaça química.
Esta árvore foi salva de ser reduzida a lenha in extremis. André Luiz Lopes, administrador da Ourogal, empresa com sede em Abrantes e que se dedica à produção de azeite proveniente de variedades tradicionais portuguesas, algumas das quais com mais de 2000 anos, descreveu ao PÚBLICO o seu espanto quando, em 2017, um amigo o levou a um olival antigo que já foi conhecido por Mata de Alfanzira, na povoação de Cascalhos, freguesia de Mouriscas. Ali permaneciam em bom estado vegetativo dezenas de árvores milenares e, entre elas, a oliveira do Mouchão.
E foi sobre este exemplar que o amigo lhe pediu uma opinião: “Você, que é agrónomo, diga lá se esta oliveira não tem 300 anos?…” Luíz Lopes olhou perplexo para o exemplar de caule contorcido e ressequido, com um enorme buraco no caule – uma oliveira com mais de 150 anos já não tem o seu núcleo central – mas com a copa ainda verdejante, e fez um comentário marcado pela surpresa: “Com 500 anos tenho-as na minha propriedade e cabem três no diâmetro desta”. Nunca tinha visto uma árvore assim. E, no entanto, o seu abate já fora várias vezes anunciado. Garantia umas boas carradas de lenha.
O empresário encarou a velha oliveira como um testemunho vivo de um património natural em risco de desaparecer, mas que poderia ajudar a promover o azeite de Abrantes. “Fazia todo o sentido, aquela oliveira, levar a região atrás. Era o seu ADN.” Em zona de minifúndio, o olival centenário e milenar representa um suporte importante para os pequenos agricultores cujas courelas não são economicamente sustentáveis. “Pretendíamos um pouco de marketing que seria bom para a Ourogal e importante para promover o concelho de Abrantes”, relata Luiz Lopes.
E é a partir daqui que se desenrola a história que levou ao conhecimento público a existência da oliveira do Mouchão, através de um percurso que viria a revelar-se “bastante complicado”.
Superar obstáculos
“Actuámos mesmo a tempo, pois havia muita vontade de a transformar em lenha”, recorda o administrador da Ourogal. Evitou-se o seu abate, mas faltava superar os obstáculos que dificultavam a recuperação da oliveira.
Em primeiro lugar, teria de se apurar a idade da árvore. O empresário, que já conhecia a existência de uma fórmula para obter a datação das oliveiras antigas, chegou “à fala com o professor da UTAD José Louzada para fazer a datação da oliveira. Que concluiu: “Esta árvore apresentava, em 2016, um perímetro-base de 11,2 metros, um perímetro à altura do peito de 6,5 metros e uma altura de tronco até às primeiras pernadas de 3,2 metros, tendo-lhe sido estimada uma idade de 3350 anos”. E o respectivo certificado comprovativo foi atribuído.
Superado o primeiro obstáculo, surge outra dificuldade: importava saber quem era o dono da oliveira. E aqui o imbróglio adensa-se.
Recuando ao século XVIII, na tradição local, qualquer pessoa podia adquirir uma oliveira na courela
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