Há 200 anos a agricultura ocupava mais de 90 por cento da população mundial, que na sua esmagadora maioria vivia em pobreza extrema, subnutrida, com baixa estatura e curta esperança de vida (33 anos na Europa Ocidental versus 80 anos atualmente).
É no século XX que a situação se altera profundamente, de forma mais marcada após a II Grande Guerra (1945), graças principalmente à crescente aplicação dos adubos azotados e de outras tecnologias modernas, como os pesticidas de síntese, o melhoramento genético das plantas e dos animais, a expansão do regadio e a mecanização agrícola.
Estes avanços tecnológicos viriam permitir a alimentação de um crescente número de pessoas (a população mundial elevou-se de 4 para 8 mil milhões), bem como promoveram a urbanização e uma crescente população ocupada na indústria e nos serviços, para além de uma expansão enorme do ensino e da classe média – tudo contribuindo para a atual prosperidade da generalidade da população mundial.
Estes enormes progressos registados na produção agrícola causam, porém, algumas externalidades ambientais negativas, com destaque para o fabrico e uso dos adubos azotados e para as emissões de origem animal que correspondem aproximadamente a 14,5% do total das emissões mundiais, cabendo 1,3% aos suínos e 1,5% às aves.
No que concerne às primeiras, é hoje já possível efetuar a síntese do amoníaco usando energias renováveis ou, nalguns casos, consegue-se dispensar os adubos azotados recorrendo a bactérias geneticamente modificadas (GM) capazes de transferir o azoto da atmosfera para a planta, de tal modo que não há perdas de azoto por lixiviação, nem libertação de óxido nitroso para a atmosfera. No tocante às emissões de origem animal, o aumento da eficiência produtiva corresponde ao modo mais eficaz para o seu decréscimo. Como exemplo extremo, podemos apontar o elevado efetivo de vacas existente na Índia, na sua maioria improdutivas, mas que contribuem para que aquele país seja o segundo maior emissor de metano (CH4) do mundo. Note-se, todavia, que o CH4 tem uma vida de cerca de 10 anos na atmosfera, transformando-se posteriormente em dióxido de carbono (CO2) que tem um menor impacto no aquecimento global, na medida em que faz parte do ciclo de carbono, sendo ulteriormente absorvido pelas plantas (fotossíntese).
Na minha modesta opinião, a biologia constitui a ferramenta mais poderosa para a agricultura transitar para um estado mais verde e mais sustentável. Citámos o exemplo da absorção do azoto atmosférico por uma bactéria GM. A melhoria da eficiência fotossintética constitui outro exemplo relevantíssimo onde já é possível recorrer também à moderna biotecnologia para se aumentar a captação de CO2 da atmosfera e, consequentemente, elevar a produtividade das plantas.
No tocante ao CH4, já hoje é possível usar um tipo de bactérias que captura metano do ar e, adicionalmente, os produtores de bovinos estão a alterar a dieta administrada aos animais para reduzir as emissões de CH4.
Duas outras medidas cumpre adotar para se atingir uma agricultura mais sustentável e diminuir a população que ainda sofre de insuficiência alimentar: i) proteção fitossanitária mais eficiente das culturas, pois a ONU considera que (sic) «todos os anos até 40% das culturas alimentares são perdidas devido a pragas e doenças»; ii) redução das perdas alimentares, que a ONU estima em 930 milhões de toneladas, enquanto segundo a mesma entidade 811 milhões de pessoas passam fome.
Não ignoramos que o recurso à moderna biotecnologia enfrenta poderosos adversários, com destaque para o Greenpeace, que já em 1982 lutou contra a insulina geneticamente modificada e, atualmente, opõe-se aos organismos geneticamente modificados e mesmo às Novas Técnicas Genómicas (NTG), se bem que estas tenham sido utilizadas com sucesso na preparação da vacina contra o covid-19.
A terminar apresento dois exemplos de políticas agrícolas distintas, conducentes a resultados também diferentes. No Sri Lankan o governo implementou obrigatoriamente o modo de produção biológica, proibindo o uso de adubos e de pesticidas, o que conduziu a produtividades baixíssimas – tanto de arroz, principal alimento da dieta do povo, como de chá, principal produto exportado; em consequência deste colapso, em que a ideologia se sobrepôs à ciência e ao bom senso, verificaram-se fortes carências alimentares, que conduziram a uma revolta popular, obrigando o Presidente a fugir do país.
Contrariando todos os grupos de pressão contra os alimentos geneticamente modificados, em 2022 as Filipinas autorizaram o cultivo do chamado arroz dourado, rico em betacaroteno – pró-vitamina A – tendo em vista diminuir o elevado número de mortes de crianças por deficiência em vitamina A, conforme se verifica em países asiáticos pobres e com elevado consumo de arroz; acrescente-se que o consumo de arroz dourado foi também autorizado em países cientificamente avançados, como os EUA e o Canadá.
Engenheiro Agrónomo, Ph. D.
Do Prado ao Prato na perspetiva de um fruticultor português – Manuel Chaveiro Soares