As alterações climáticas estão a mudar o ritmo da natureza, alerta o Frontiers 2022, um relatório do UNEP – Programa Ambiental das Nações Unidas sobre questões emergentes, que se centra também na forma como as alterações climáticas influenciam os incêndios a nível global e nos efeitos que a poluição sonora tem para as populações urbanas.
A poluição sonora que marca a vida nas cidades, a crescente ameaça dos incêndios e as modificações do ritmo da natureza provocadas pelas alterações climáticas são os três grandes problemas ambientais identificados na mais recente edição do Frontiers 2022, um relatório publicado desde 2016, que foca questões emergentes e críticas para a humanidade.
Divulgado em fevereiro último, o “Frontiers 2022: Noize, Blazes and Mismatches” chama a atenção para os impactes que estas três ameaças têm para os ecossistemas, a sociedade e a economia, assim como a urgência de atuar para mitigar riscos e consequências.
Neste documento, o UNEP não se limita a identificar estes três focos de preocupação ambiental e aponta também possíveis caminhos e estratégias que importa conhecer.
Reduzir emissões é urgente para travar as perturbações no ritmo da natureza
Um dos fenómenos que o UNEP considera preocupante é o impacte que as alterações climáticas estão a exercer no ritmo da natureza, um campo científico a que se dedica a fenologia – estudo dos ritmos dos seres vivos (como a migração das aves ou a floração) e a sua relação com o clima e as condições ambientais.
Na natureza tudo tem o seu tempo. Por exemplo, as crias das aves devem nascer quando há comida suficiente para as alimentar; os polinizadores devem estar ativos quando as plantas florescem; as lebres do ártico (Lepus arcticus) devem mudar a cor do pelo (de branco para castanho) quando a neve derrete.
Resumindo: todas as espécies têm os seus ciclos de vida regulados por elementos como a temperatura, a duração dos dias ou as épocas de chuva e são as condições climatéricas que determinam as fases de procriação, hibernação e migração (no caso dos animais) ou de floração e frutificação (no caso das plantas).
No entanto, os efeitos resultantes das alterações climáticas (variações na temperatura ou alterações nas épocas de chuva, entre outros) estão a suceder-se a um ritmo que os animais e as plantas não estão a conseguir acompanhar nem adaptar-se, o que está a originar desfasamentos e dessincronização dos ritmos fenológicos, como ilustram alguns destes exemplos:
• No Japão, a floração das cerejeiras (que se verificava normalmente em abril) está a adiantar-se progressivamente e ocorre agora no final de março.
• Na Holanda, verificou-se que as populações de chapim-real (Parus major) estão a adiantar o período de incubação de ovos, na sequência do aquecimento global. No entanto, esta mudança não está sincronizada com o ciclo do seu principal alimento. As lagartas, o principal alimento dos juvenis, têm o seu ciclo a avançar mais rapidamente do que o das aves, o que leva a que o pico de produção de lagartas esteja adiantado relativamente às necessidades das crias de chapim-real.
• No Ártico verificam-se desfasamentos preocupantes. As renas (Rangifer tarandus) e as suas crias estão dependentes da vegetação que surge após o degelo. Devido à subida das temperaturas, o ciclo da vegetação está a adiantar-se. Esta antecipação é crítica para as crias das renas, que nascem tarde relativamente à disponibilidade da vegetação, o que está a conduzir a uma diminuição da prole da ordem dos 75%.
Os exemplos mostram como as espécies que interagem entre si estão a registar alterações na sincronização dos seus ciclos de vida, provocando desajustes fenológicos que perturbam o ecossistema e têm repercussões também na disponibilidade de alimentos. Por exemplo, as árvores frutíferas que florescem mais cedo enfrentam fenómenos de geadas que comprometem vários ritmos naturais (a polinização, por exemplo), incluindo o seu: a frutificação pode estar em causa, com perdas económicas e redução de alimentos.
Como evitar que este desfasamento dos ciclos biológicos se acentue? Para o UNEP a única forma de reduzir os impactes e danos causados no ritmo da natureza é a rápida redução das emissões de CO2.
O relatório “Frontiers 2022: Noise, Blazes and Mismatches”, aponta outras ideias-chave para mitigar os riscos desta ameaça, salientando, em termos imediatos, a importância das seguintes medidas: restauro de habitats, conservação da biodiversidade, construção de corredores verdes para melhorar a diversidade genética e ajuste dos limites das áreas protegidas à medida que as espécies se deslocam.
O relatório defende ainda a implementação de medidas de gestão de ecossistemas para estimular a microevolução, ajudando as espécies a adaptar-se às novas condições. Quanto maior for a diversidade genética de uma espécie, maior a probabilidade de se adaptar com sucesso às mudanças climáticas. Nesse sentido, o Frontiers 2022 lembra também que a manutenção da integridade ecológica é um fator vital para a sobrevivência das espécies.
Prevenir incêndios para travar agravamento decorrente das alterações climáticas
Não é propriamente uma novidade: os incêndios estão a assumir dimensões cada vez maiores e a tornarem-se mais perigosos.
Rússia (na maioria Sibéria), Estados Unidos (Califórnia), Austrália, Brasil, Grécia e Portugal foram palco, nos últimos anos, de incêndios de enormes proporções e que tiveram grande visibilidade global. Contudo, as grandes extensões de área ardida têm-se verificado também noutras geografias menos mediáticas, como Angola (30% do território ardeu em média todos os anos, nas últimas duas décadas), Sudão do Sul ou República Centro Africana, por exemplo. E a tendência de agravamento não parece abrandar.
O UNEP refere que as alterações climáticas associadas à ação humana (destacando-se a desflorestação, a libertação de terrenos para a expansão das atividades agrícolas, o crescimento urbano e as espécies invasoras) têm potenciado o desenvolvimento de incêndios de grandes dimensões. Ao mesmo tempo, eventos climáticos mais extremos, com temperaturas mais altas e ambientes mais secos, contribuem para condições meteorológicas favoráveis a incêndios e para épocas de incêndios mais prolongadas.
As consequências destes fenómenos são sentidas a diversos níveis: além de emitirem quantidades significativas de gases poluentes, os incêndios implicam uma enorme perda da biodiversidade – colocando milhares de espécies em perigo – e contribuem para a poluição das águas e erosão dos solos.
Como travar, então, este fenómeno? Os caminhos, segundo o UNEP, passam por uma aposta na prevenção e também em medidas que melhorem a resposta e a gestão dos incêndios florestais, promovendo a maior resiliência dos ecossistemas. Entre essas medidas está o planeamento, a maior cooperação entre países e regiões na partilha de recursos e a utilização de instrumentos e tecnologias de previsão meteorológica a longo prazo, com dados que melhorem a monitorização e gestão de incêndios rurais.
Cidades mais verdes ajudam a reduzir poluição sonora
À medida que as cidades crescem, o ruído ganha maior dimensão, com consequências na saúde dos seres humanos, de outros seres vivos e no próprio equilíbrio dos ecossistemas. Isto acontece porque a poluição sonora causa perturbações na vida quotidiana de diversas espécies – de aves e insetos, por exemplo -, que dependem da comunicação sonora para garantir a sua sobrevivência.
Estes animais utilizam sinais acústicos para comunicar e proteger o seu habitat. Os sons assumem, assim, uma função vital para defenderem o seu território, alertarem as comunidades para situações de perigo ou mesmo para atraírem parceiros. Quando estes sons são “apagados” pelo ruído urbano, os ciclos naturais destes animais ficam ameaçados e também por esta via se altera o ritmo da natureza.
Nos seres humanos, o excesso de ruído exerce um impacte severo, causando perturbações, nomeadamente no sono. O ruído excessivo está também associado ao desenvolvimento de problemas de hipertensão, diabetes e doenças coronárias. Algumas estatísticas revelam mesmo que a exposição prolongada ao ruído é responsável por 12 mil mortes prematuras na Europa e pelo aparecimento de 48 mil novos casos de isquemia cardíaca (redução do fluxo sanguíneo no coração) a cada ano.
As estimativas do UNEP apontam para que, pelo menos, 20% dos cidadãos da União Europeia estejam expostos a níveis de ruído prejudiciais para a saúde. Mas a poluição sonora das sociedades modernas não se limita ao tráfego rodoviário. Os aeroportos, as linhas de comboio e a indústria são também apontadas como fontes geradoras de níveis de ruído nocivos.
A questão que se coloca é saber como mitigar os riscos da poluição sonora? O caminho, de acordo com o UNEP, implica um melhor planeamento urbano, que tenha em conta a redução dos níveis de ruído. A aposta na vegetação em ambientes urbanos faz parte da solução, uma vez que árvores e arbustos absorvem as ondas sonoras e reduzem a propagação do ruído. Por exemplo, a implementação de “corredores verdes” – árvores atrás das tradicionais barreiras sonoras nas autoestradas – pode reduzir os níveis de ruído até 12 decibéis.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.