Há quase 70 anos que o mundo agrícola português – e com ele a cadeia agroalimentar nacional – vem sendo marcado pela Feira do Ribatejo, que dez anos depois assumiria também a designação e formato de Feira Nacional da Agricultura. 2023 será o ano, respectivamente, das suas 69.ª e 59.ª edições. E, tal como noutros anos, haverá muito para ver, para conhecer e para debater.
Se o calendário da Comissão Europeia não resvalar, como normalmente acontece com as obras no nosso país, haverá ainda mais temas para debate. A Feira deverá coincidir – ainda que a Comissão Europeia já tenha estado mais certa disso – com a apresentação de um pacote de propostas legislativas denominado “Sistemas agroalimentares sustentáveis e utilização de recursos”, sob a responsabilidade do primeiro vice-presidente Franz Timmermans.
A primeira das iniciativas, dedicada à saúde dos solos, deverá assumir a forma de proposta de Directiva e decorre da Estratégia de Protecção do Solo da UE para 2030 adoptada pela Comissão em Novembro de 2021 e visará definir as condições adequadas à saúde dos solos, determinar opções para a sua monitorização e estabelecer regras conducentes quer à sua utilização sustentável, quer à sua recuperação.
A segunda, sobre plantas produzidas por novas técnicas genómicas, terá por objeto a adopção de um regulamento que crie um quadro jurídico para as plantas obtidas por mutagénese e cisgénese, bem como para os géneros alimentícios e alimentos para animais delas resultantes, de modo a, segundo a Comissão, manter um elevado nível de protecção da saúde humana e animal e do ambiente, permitir a inovação no sistema agroalimentar e contribuir para os objetivos do Pacto Ecológico Europeu e da estratégia «do prado ao prato».
A terceira decorre do anúncio feito pela Presidente da Comissão Europeia, no seu discurso sobre o Estado da União de 14 de Setembro de 2022, de que esta instituição iria apresentar em 2023 uma revisão da Directiva-Quadro sobre resíduos destinada a reduzi-los, incluindo os resíduos alimentares, e o impacto ambiental da sua gestão. No seu programa de trabalho para 2023, publicado a 18 de Outubro de 2022, a Comissão esclareceu que a revisão se centraria nos resíduos alimentares e nos aspectos relativos aos têxteis.
A última destina-se a rever a legislação da UE sobre sementes e outros materiais de reprodução vegetal e florestal e a alinhá-la com os objectivos do Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal) e as estratégias «do Prado ao Prato», da biodiversidade, da adaptação às alterações climáticas, digital e florestal e apoiar o desenvolvimento técnico, sistemas agroalimentares e florestais sustentáveis e resistentes às alterações climáticas, bem como conservar a biodiversidade e os recursos genéticos vegetais e florestais, e eliminar os obstáculos ao comércio no mercado único.
Não é coisa pouca.
Antecipando o conteúdo deste pacote, Timmermans sublinhou, no Fórum sobre o Futuro da Agricultura 2023 de 28 de Março, que
As alterações climáticas e a crescente escassez de recursos terão obviamente um impacto na nossa segurança alimentar. A janela para evitar que isso aconteça está a fechar-se muito rapidamente. (…) todos os sectores terão de mudar. Se planearmos a mudança, podemos geri-la. (…)temos de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa provenientes da produção e do consumo de alimentos. (…) Apesar das crises profundas – pandemia, guerra, energia – o Pacto Ecológico Europeu, a transição justa e o crescimento verde continuam no topo das prioridades da Comissão. Mantivemos o rumo. (…) precisamos de garantir que os nossos solos são saudáveis. Esta deve ser uma prioridade máxima: 60-70% dos solos na Europa estão em condições pouco saudáveis. Em vez de deixarmos que esta situação se agrave sem fazermos nada, temos de restaurar a saúde dos solos na Europa.
Diz-se que Timmermans poderá comparecer ante a Comissão Parlamentar de Agricultura e Desenvolvimento Rural do Parlamento Europeu (AGRI) antes de serem apresentadas as propostas, talvez para medir o pulso aos deputados mais conhecedores destes temas, talvez porque, apesar da firmeza constante da citação anterior, a guerra e a escassez de alimentos e de fertilizantes poderão motivar a necessidade de um novo equilíbrio europeu no tocante ao ritmo e intensidade da descarbonização pretendida.
Se a Comissão Europeia mantiver o seu calendário indicativo, não faltará alimento à fileira agroalimentar para discutir durante a Feira. Se as propostas tardarem, que isso não constitua obstáculo ao aprofundamento do debate.
Consultor da Abreu Advogados
Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.