Ao longo do ano, fui partilhando nas minhas páginas das redes sociais (“carlosnevesagricultor” no facebook, instagram, web e youtube) imagens dos meus trabalhos agrícolas. Na época de colheita do milho para silagem, tenho mais trabalho, mais motivos para fotografar e mais imagens para partilhar.
Em certas ocasiões, coloco a legenda “ajudar quem me ajudou”, para não enganar as pessoas que ficariam a pensar que eu cultivo uma centena de hectares e nunca mais acabo de colher. Fico surpreendido pelos comentários e elogios que recebo, como se fosse caso raro. Será que a colaboração entre agricultores é um exclusivo da minha região?
Antigamente, as desfolhadas, as vindimas e outras colheitas eram motivo de convívio entre agricultores com as suas vastas famílias ou equipas de trabalho. Depois, há 50 anos, as desfolhadas foram trocadas pela silagem individual feita com os pequenos tratores e máquinas que cortavam uma linha de cada vez, e cada família de agricultores passou a guardar o seu milho…
Conforme escrevi num texto sobre a silagem de milho, “uma das primeiras memórias que tenho com trator é de ir ao colo do meu pai a cortar silagem, devia ter 5 anos. Nesse tempo a silagem exigia-nos “abrir caminhos à foucinha” antes de poder entrar com o trator (não se deixavam caminhos de rega no meio dos campos) e meter esse milho “à posta” para dentro da máquina – trabalho duro e moroso, agravado num ano de inverno precoce que nos obrigou a cortar dois lameiros assim, com a foucinha e levar manualmente para a máquina. Foi com essa máquina que comecei a ensilar. Como eu ainda era pequeno a minha mãe andava comigo no trator a ajudar e o meu pai transportava a silagem. No silo, outra trabalheira, a silagem era espalhada com ancinhos e forquilhas antes de ser calcada com o trator que, aprendemos todos mais tarde, também serve para espalhar sem precisar de ganchos e forquilhas.
Era com uma dessas máquinas que andava a ensilar a 11 de setembro de 2001, quando caíram as torres gémeas em nova Iorque. Nesse ano já só ensilei um campo mais distante dessa forma, porque desde o ano 2000 que passámos a recorrer à prestação de serviço de corte de silagem com automotriz. Nessa altura os vizinhos receberam a “novidade” com críticas e desconfiança, mas rapidamente se renderam e aderiram. Agora fazemos num dia o que demorava um mês antigamente.
Trocar as pequenas máquinas de ensilar pelas grandes automotrizes de cortar milho exigiu chamar novamente os vizinhos agricultores com vários reboques para ajudar na colheita. Já não vem toda a aldeia à procura do milho rei, mas como agora somos poucos agricultores, vem quase todos os agricultores de cada aldeia… e depois cada um de nós vai com o reboque ajudar a recolha da silagem do milho dos vizinhos que nos ajudaram… ou da silagem de erva… e da “festa” da desfolhada de antigamente passámos para um almoço-convívio de trabalho, na casa de casa um ou no restaurante mais próximo.”
No último desses almoços de silagem deste ano de 2023, numa mesa de restaurante reservada como “lavrador – 8 pessoas” (achei este detalhe delicioso como a comida), aqui numa freguesia vizinha, fiz uma sondagem e confirmei que 90% dos agricultores dessa freguesia colhem o milho para silagem desta forma, em equipa, em “sociedade”.
As “sociedades de silagem” procuram-se constituir entre agricultores de proximidade, amizade, família e dimensão aproximada (não seria justo pedir ao vizinho para me ajudar a guardar 20 hectares em dois dias se ele apenas vai precisar da minha ajuda em metade da área e do tempo).
Trabalhar desta forma permite-nos conviver (muito importante para quem passa muitas horas sozinho no trator ou com os animais), aprender formas diferentes de executar as tarefas rotineiras e rentabilizar o equipamento que temos (tratores e reboques). Trata-se de um negócio de “troca direta”, não é uma forma de solidariedade como acontece quando alguém é vítima de uma doença, de um acidente ou tempestade em que os vizinhos se juntam para ajudar.
As opções de fazer a silagem sozinho com o equipamento que já temos ou contratar a prestadores de serviços o “trabalho completo” da silagem também são igualmente legítimas, respeitáveis e podem ser economicamente as mais corretas. No imediato, fica mais barato pagar todo o trabalho do que investir num trator e num reboque grandes que vão trabalhar poucas horas. Além disso, nas horas em que vamos trabalhar para os vizinhos deixamos para trás o cuidado dos animais e outras tarefas necessárias. São tudo fatores a considerar, todas as opções são legítimas e devemos ponderar e respeitar as escolhas que cada agricultor faça em liberdade. Há muitas regras que os agricultores são obrigados a respeitar, por causa do ambiente, das alterações climáticas, da segurança alimentar e do bem-estar animal, regras obrigatórias para receber as ajudas da PAC, mas na forma de colher o milho ainda podem fazer escolhas como empresários livres! Boas colheitas, bons trabalhos, bons convívios, com os colegas, com os amigos ou com a família. E boas festas!
(escrito para o Mundo Rural Novembro Dezembro 2023)
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.