Após a II Grande Guerra (1945) a Europa Ocidental experimentou uma expansão económica notável e um crescente bem-estar social. Entretanto, porém, nas últimas décadas evidenciaram-se diversas fragilidades comparativamente a outros blocos económicos, nomeadamente no que concerne à Energia, Defesa, Indústria, Digital e Agricultura.
Esta última área foi objeto de particular apoio logo após o último conflito mundial, a fim de se ultrapassar a situação de subnutrição em que se encontravam muitos europeus. Em Portugal a situação alimentar era particularmente deficitária.
Entretanto verificou-se uma expansão acentuada da produção agrícola e, simultaneamente, do poder de compra dos europeus, o que se refletiu claramente na situação alimentar portuguesa, pois atualmente mais de 50 por cento dos adultos apresentam excesso de peso. Entre nós, em particular o consumo de proteína animal (carne, leite, peixe, ovos), experimentou um incremento notável, como se pode ilustrar com o caso particular do frango de carne: subiu de 1,4 kg para 34 kg/habitante/ano.
Por coincidência, só tardiamente e de forma escassa é que o setor da produção avícola beneficiou de alguns subsídios, inclusive fundos da União Europeia. A sua expansão acentuada deve-se principalmente, por um lado, aos progressos científicos que ocorreram, nomeadamente nos domínios do melhoramento genético, da nutrição, da profilaxia e, adicionalmente, à constituição de empresas eficientes e competitivas a nível internacional.
Acontece, porém, que em Dezembro de 2019 a Comissão Europeia apresentou o Pacto Ecológico Europeu, com vista a tornar a Europa o primeiro continente climaticamente neutro.
Tal decisão implica na agricultura a adoção de diversas medidas restritivas (menos adubos e pesticidas, mais terras dedicadas à agricultura biológica, melhor bem-estar para os animais, etc.) conducentes a um decréscimo da produção de alimentos e à subida dos custos de produção. E, simultaneamente, os decisores de Bruxelas preparavam-se (até há dias) para abrir as portas da Europa a mais importações de alimentos produzidos sem respeito pelas regras impostas aos agricultores europeus.
Estas regras incluem não só restrições à produção, como também implicam uma burocracia muito pesada.
Atendendo ao que precede, recentemente os agricultores europeus manifestaram de modo bem explícito o seu descontentamento.
De notar que, no que respeita à burocracia, entre nós a ministra da Agricultura anunciou prontamente (e bem!) que as candidaturas a investimentos agrícolas irão ser aprovadas em 60 dias (caso não haja emissão de parecer, haverá deferimento tácito).
Também no passado dia 2 de Fevereiro o porta-voz do executivo comunitário para a Agricultura informou que, no próximo dia 26 de Fevereiro, os ministros da Agricultura dos 27 Estados-membros irão debater a simplificação de modo a reduzir os encargos administrativos dos agricultores.
Para melhor se compreender a burocracia que tanto prejudica os agricultores, apresento em seguida alguns exemplos concretos ocorridos no setor avícola português, os quais acompanhei de perto:
- um pedido de autorização para espalhamento de estrume apresentado no dia 29/03/2010 foi deferido em 22/06/2023 (note-se que se trata de um fertilizante orgânico do maior interesse, em termos de nutrição das plantas e também em termos ambientais);
- um pedido de construção de um aviário, no local onde anteriormente já tinha existido um edifício, foi apresentado em 22/10/2019, apreciado por 22 entidades oficiais e, finalmente, autorizada a construção em 25/09/2023;
- exigência de pesquisa de Salmonella Pullorum e Salmonella Gallinarum nos centros de incubação (onde nascem os pintos do dia, futuros frangos de carne) em número de análises extremamente numeroso, que numa só empresa se eleva a cerca de 2000 por ano, com custos de logística e laboratoriais elevadíssimos; note-se que, na empresa em causa, anualmente desde longa data tem sido feito o controlo das duas referidas Salmonelas em todos os bandos de galinhas, sem que até ao presente se tenha detetado qualquer uma delas (aliás, não há notícia que em Portugal as aludidas Salmonelas alguma vez tenham sido detetadas);
- controlo do número de ovos recolhidos diariamente em cada aviário com indicação por via eletrónica e respetiva rastreabilidade, o que evidentemente se torna pesado em termos burocráticos, nomeadamente para uma empresa com mais de 100 aviários, como acontece, entre outros países, em Portugal onde as exportações representam cerca de metade do volume de negócios da empresa líder e que, por esta via, serão dificultadas.
A terminar, interrogo-me se os nossos concorrentes de países terceiros estão sujeitos ao amplo controlo burocrático com que agora se pretende sobrecarregar ainda mais os avicultores europeus.
Manuel Chaveiro Soares
Engenheiro Agrónomo, Ph. D.
Fonte: Manuel Chaveiro Soares