A inflação chegou em força à agricultura. Os dados mais recentes do boletim mensal de agricultura e pescas do INE – Instituto Nacional de Estatística revelam uma situação insustentável: custos a crescer muito e a um ritmo mais acelerado que os preços à saída do produtor.
Para que os números não sejam tão áridos vale a pena ver o seguinte: acha que o milho consegue garantir a secagem com os custos de energia a subir 18%? Ou os hortícolas conseguem suportar a subida dos custos de refrigeração da mesma magnitude? A pecuária está a ver o alimento para os animais subir 14%. E os adubos e corretivos estão a crescer 53%.
Em termos médios, e ponderando os diferentes factores de produção, o INE garante que em setembro e em comparação com o ano anterior, a generalidade dos factores de produção cresceu a 12%, um número não compensado pela ligeiríssima subida de preços à saída do produtor de apenas 2%… Pior: a tendência de subida dos custos é muito mais acelerada do que a tendência dos proveitos.
Numa conta simples, isto significa que a margem das contas de exploração decresceu em média 10%, sendo certo que as culturas ou técnicas produtivas mais dependentes da energia, ração e adubos estarão sob forte pressão. A magnitude do crescimento dos custos e a tendência verificada não deixa dúvidas – a agricultura está “entalada”.
Estes factos deixam três grandes questões em cima da mesa:
- Como irá reagir a restante cadeia de valor de forma a absorver a magnitudes desta natureza? Como irá reagir a distribuição, embaladores e indústria? Terão de esmagar parte das suas margens, terão de buscar ganhos de eficiência, mas creio que no final subirão os valores ao consumidor final.
- Como irá o Estado reagir? Irá o governo reduzir os impostos, sobretudo sobre a energia de forma a acomodar parte deste problema? Irá o novo governo flexibilizar, acelerar e liberalizar (dentro de critérios de segurança) a entrada de novos adubos e produtos correctivos? Irá permitir a utilização de produtos que existem no espaço europeu, mas que estranhamente os serviços nacionais não aprovam? Irá reduzir a carga fiscal sobre as empresas?
- E finalmente, como irão reagir os produtores agrícolas? Irão exigir, à distribuição, contratos indexados a parâmetros de risco ou de preço de venda? Irão, finalmente, adotar modelos financeiros de cobertura de risco? Irão aceitar seguros de rendimento sobre os produtos ou sobre os fatores de produção?
A inflação é uma onda que destrói modelos de produção, mina a confiança nos diferentes players e deixa-nos todos mais pobres, sobretudo os que não têm outra fonte de riqueza que não o trabalho. Em ambiente de crise pandémica, e recordando uma frase batida, a inflação significa que o rendimento dos agricultores não compra hoje tanto como comprava ontem, quando não tinham dinheiro algum.
PS: Nesta altura convém recordar que sou sócio da Safe-Crop, uma empresa especializada em seguros agro.
Este artigo também foi publicado no Dinheiro Vivo.
Artigo enviado por Filipe Charters de Azevedo, CEO da Safe-Crop e da Data XL