Em Carlão, aldeia do concelho de Alijó, hoje o dia é de tratamentos na vinha para tentar salvar as videiras atingidas pelo granizo e de limpeza de estradas, lojas e garagens que ficaram inundadas pela chuva intensa.
Nesta zona do Douro, os viticultores queixam-se de quebras na produção devido às pedras de gelo que, na terça-feira, rasgaram as folhas das videiras, quebraram ramos e cachos de uvas.
No centro da aldeia, a chuva intensa de quarta-feira provocou inundações na via pública e entrou em casas e garagens.
“Tinha acabado de fazer o tratamento na vinha e, mal terminei, começou novamente a chover o que inviabilizou o tratamento. Tive que pagar esse produto e vou ter que pagar novamente para fazer um novo tratamento na vinha”, afirmou à agência Lusa António Oliveira, viticultor e presidente da União de Freguesias de Carlão e Amieiro.
Os agricultores andam com os olhos colados no céu. Em Carlão foram dois dias seguidos de mau tempo, mas as previsões apontam para mais trovoadas hoje e nos próximos dias.
Durante Pereira, 47 anos, andou com o trator a pulverizar a vinha e disse que não é fácil avaliar os prejuízos, mas acredita que possa vir a ter uma quebra de produção na ordem dos 20 a 30%.
“Sabemos o que gastamos, nunca sabemos o que colhemos. Não depende só de nós, podemos fazer tudo bem, mas não quer dizer que a gente tenha produção”, afirmou.
Após o granizo, os tratamentos devem ser feitos no espaço de 48 horas, consistindo na aplicação de cálcio e adubo foliar para ajudar a planta a cicatrizar e não recuperar o fruto.
“Eu tentei fazer seguros de produção, não é fácil e se fazem são preços astronómicos e não compensa. É preferível deixar perder ou correr risco”, salientou.
E acrescentou outra preocupação relacionada com a comercialização dos produção.
“Corremos o risco, fazemos o investimento, temos o trabalho e, no fim, entregamos os produtos sem preço. Não temos poder de negociação”, frisou Duarte Pereira.
António Elevai, 69 anos, contabiliza estragos na vinha e no olival e diz que a vida do agricultor “é sempre a lutar contra o tempo”.
“Na zona onde foi pior só ficaram mesmo as cepas. Aí é para esquecer. Não sei se vai sequer haver uvas para cobrir o benefício”, contou, salientando que o vinho é a sua principal fonte de rendimento.
O benefício é a quantidade de uvas que cada produtor pode transformar em vinho do Porto.
A Câmara de Alijó vai custear os produtos necessários para os tratamentos, mas este agricultor disse que era precisa mais ajuda, por parte do Estado, e falou no desalento que o faz pensar em desistir da agricultura.
“Na minha vinha é 100%. Tudo perdido, não há folhas, não há uvas, não há nada. Ainda agora venho de deitar o sulfate”, sublinhou José Manuel, 62 anos, que se revelou frustrado por ver destruído “em 15 minutos” o trabalho de um ano inteiro.
Também este viticultor se queixou dos seguros, referindo que “não há esse produto à venda”. “As seguradoras dizem que é um risco muito elevado e simplesmente não fazem”, destacou.
Pela freguesia, bombeiros e equipas da junta e do município estão a desobstruir sarjetas e estradas, para onde foram arrastadas terras e pedras.
O presidente António Oliveira disse que ainda não foi possível fazer um levantamento concreto dos prejuízos, mas aponta outra grande preocupação relacionada com os caminhos agrícolas.
“Contamos que cerca de 90% dos caminhos da União de Freguesias tenha sido afetado, o que equivale a cerca de 100 quilómetros que vão ter que ser reparados porque, devido aos estragos, muitos agricultores não conseguem deslocar-se para os terrenos agrícolas”, referiu, destacando que ainda não se sabe é “com que meios” este trabalho vai ser feito.
Pelo que defendeu que, para estas situações, deveria haver uma ajuda da parte do Ministério da Agricultura.
Devido à chuva intensa e que caiu durante um longo período, o ribeiro que atravessa a aldeia galgou as margens, inundou casas e hortas, onde as culturas ficaram praticamente todas danificadas.
“Para além do problema com a vinha e o olival, em que a produção vai ser muito débil, ainda se acrescenta as hortas que davam algum sustento às famílias”, referiu António Oliveira.
Esperança Grabulho, 68 anos, passou a manhã a limpar as lamas que se acumularam na porta da sua garagem onde a água entrou. “Choveu muito, muito, eu nunca vi”, contou à Lusa, acrescentando que também na vinha encontrou muita “uva caída, muita folha no chão e o caminho todo estragado” e, no olival, “está tudo também no chão”.
E rematou: – “a água fazia-nos falta, mas não tanta”.
Fernando Vieira procurou uma solução para impedir a água de voltar a entrar no seu café, no centro da aldeia. Falou em colocar umas tábuas nas portas, a mulher preferia sacos de areia.
Foram mais de três horas de limpeza, embora não tenha prejuízos nos equipamentos do estabelecimento.
“As pessoas estão tristes. Trabalham todo o ano e depois veem tudo a ser destruído e, claro, depois afeta a economia local. Se vivem da agricultora afeta-nos a todos”, considerou.
A freguesia tem quatro aldeias com cerca de 600 habitantes, a maior parte dos quais tem como principal fonte de rendimento a agricultura.