No dia 25 de Janeiro foi lançado oficialmente o Diálogo Estratégico sobre o futuro da agricultura. No discurso de abertura, a Presidente da Comissão Europeia começou por identificar um problema – «Penso que todos sentimos que há uma divisão e uma polarização crescentes quando se trata de temas relacionados com a agricultura» – e por apontar um único caminho para o solucionar: «Estou profundamente convencida de que só conseguiremos ultrapassar esta polarização que todos sentimos através do diálogo».
Enquanto soavam as palavras conciliadoras de von der Leyen, agricultores de toda a União mostravam-se menos atreitos à concórdia e mais propensos à acção: semearam de tractores muitas das principais vias da Europa, exercitando apenas um pouco do poder concreto que têm e fazendo sentir que a contraparte não só chegava tarde ao encontro como tinha decidido de forma precipitada o ritmo e a intensidade das transições que preconizara a outrance sem atender às especificidades do sector e sem atentar se cumpria, efectivamente, a promessa, mil vezes repetida, de «não deixar ninguém para trás».
Se se pode sempre questionar a bondade e a proporcionalidade das formas de protesto, neste caso concreto, restam poucas dúvidas quanto à sua eficácia. Vários governos, atarantados com a velocidade paradoxal que a marcha lenta dos veículos agrícolas imprimiu na agenda política, “descobriram” subitamente milhões de euros em pacotes de ajudas potenciais até aí ignorados e prontificaram-se a corrigir os “lapsos” dos seus serviços.
Por seu lado, a Comissão divulgou, no dia 23 de Janeiro, um relatório sobre a utilização das medidas de crise adoptadas para apoiar o sector agroalimentar da UE entre 1 de Janeiro de 2014 e o fim de 2023; e propôs, no dia 31 de Janeiro, que os agricultores pudessem beneficiar, até 2024, de derrogações às regras da política agrícola comum que os obrigavam a manter certas superfícies não produtivas.
Face à contestação, que foi crescendo em mobilização por toda a União, o próprio Conselho Europeu de 1 de Fevereiro «debateu os desafios no setor agrícola e as preocupações suscitadas pelos agricultores. Recordando o papel essencial da política agrícola comum, apela ao Conselho e à Comissão para que levem por diante os trabalhos conforme necessário.»
No dia 6 de Fevereiro, a Comissão Europeia retirou a proposta de Regulamento relativo à utilização sustentável de produtos fitofarmacêuticos, que pretendia reduzir para metade a utilização de pesticidas até 2030, por reconhecer que esta – rejeitada pelo Parlamento e bloqueada no Conselho – se transformara num «símbolo de polarização».
No mesmo dia, a Comissão lançou um novo guia interactivo dedicado ao financiamento a nível da UE para as zonas rurais, chamado RURAL, que reúne oportunidades de financiamento de 26 fundos europeus diferentes, desde a Política Agrícola Comum aos Fundos de Coesão, ao Horizonte Europa e ao Mecanismo de Recuperação e Resiliência. Saúda-se a iniciativa, mas lamenta-se o facto de esta parecer vir a reboque… dos tractores.
Ainda a 6 de Fevereiro, apresentou uma proposta de Recomendação, para concretizar o disposto na Lei do Clima, que aponta para uma redução líquida de 90% das emissões de gases com efeito de estufa até 2040, em comparação com os níveis de 1990, e informou que a próxima Comissão deverá apresentar uma proposta legislativa a seu respeito, após as eleições para o Parlamento Europeu. Mais uma vez, insistiu na necessidade de ser dada ênfase à justiça da transição e ao diálogo sobre o quadro pós-2030, nomeadamente com a indústria e o sector agrícola.
Veremos se estas preocupações, agora candentes, não esmorecem depois das eleições. E se os pólos ambiente-agricultura não voltam a extremar-se desnecessariamente quando tudo deveria concorrer para os conciliar.
Os tractores parecem ter sido o “desbloqueador de conversa”, senão o acelerador, necessário para fazer compreender problemas ignorados durante demasiado tempo. Sentados nos tractores, os agricultores sentaram os decisores europeus à mesa com os seus representantes.
Doravante, dialogar estrategicamente sobre o futuro da agricultura deverá implicar outro tipo de tracção: mais constante, mais atenta, mais realista e mais assente na compreensão das necessidades concretas das pessoas, das comunidades rurais e das empresas.
(escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990)
Consultor da Abreu Advogados